sábado, 23 de junho de 2012

A FLORESTA É DA GENTE!



“Todos os humanos formam uma comunidade de destino, uma Terra pátria, e nós somos filhos da Terra, de uma evolução biológica. Filhos do sol, porque sem os raios de sol não existe nenhuma possibilidade de vida. A humanidade é a diversidade de todas as culturas...”.

Edgar Morin
Filósofo francês, pedindo a proteção dos povos e das comunidades tradicionais, especialmente na Amazônia, endossando, assim, o coro de muitas naturalidades, mais especificamente o de dois brasileiros, o cacique Raoni e a ambientalista Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, com os quais participou de um debate durante o workshop A Terra está inquieta, organizado por professores do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB), realizado no dia 19 na Cúpula dos Povos, na cidade do Rio de Janeiro.


Encerradas a Rio+20 (de 13 a 22), Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, focando, contudo, no papel e na importância da chamada economia verde, e a Cúpula dos Povos (de 15 a 22), evento crítico organizado pela sociedade civil, paralelo ao oficial, que acampou no Aterro do Flamengo clamando por Justiça Social e Ambiental – contra a mercantilização da vida e em defesa dos bens comuns. Não encerradas, contudo, as lutas cujos temas estiveram nas pautas de ambos os eventos. Exemplo disso foi o Ato em Defesa das Florestas, promovido pela Cúpula dos Povos no dia 16, que, sob o slogan O Jogo não acabou, deu início a nova etapa da campanha contra as mudanças no Código Florestal brasileiro. Desta vez, concentrando-se na Medida Provisória baixada pela presidenta Dilma Rousseff, ora tramitando no Congresso Nacional, que altera o novo documento. Sobre a descaracterização do Código Florestal brasileiro, alertou o documento Brasil na contramão do desenvolvimento sustentável: o desmonte da agenda socioambiental, lançado por diversas organizações da sociedade civil no dia 16, durante a Cúpula dos Povos: “O texto foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff com vetos apenas superficiais. A omissão do Executivo foi agravada pela edição da Medida Provisória 571, uma estratégia clara da presidente para minimizar críticas no contexto da Rio+20, devolvendo o assunto ao Congresso Nacional. Porém, a comissão mista que aprecia a MP 571 é composta majoritariamente por parlamentares da bancada ruralista, a maioria indicada por partidos da própria base do governo; o texto da MP já conta com mais de 650 emendas, com o propósito de descaracterizar ainda mais a lei”. Ao mesmo tempo, setores sociais da sociedade civil estão propondo a realização de um referendo popular que dê ou não respaldo ao que quer que seja decidido em relação ao Código Florestal – sem dúvida alguma, uma sensata proposta. Resta saber se será acatada...

Enfim! Entre a Eco-92 e a Rio+20, passaram-se duas décadas de debate ambiental. Nesse ínterim, o mundo mudou. E em todos os sentidos. Segundo reportagem do jornalista Herton Escobar, enviado especial do Estadão na Rio+20, intitulada Dilma defende texto final da Rio+20 e publicada nesta sexta-feira (22), “só parte dos presentes aplaude documento, considerado fraco por sociedade civil”. De acordo com o jornalista, “até uma ministra do governo brasileiro – Izabella Teixeira, do Meio Ambiente – lamentou a falta de clareza em alguns pontos do documento final. A presidente Dilma Rousseff, no entanto, defendeu o texto aprovado. ‘Deixamos as bases de uma agenda para o século 21’, discursou na cerimônia de encerramento”. Durante, ainda, o seu pronunciamento, “Dilma rebateu as críticas sobre a falta de ambição do texto final. ‘O documento que aprovamos não retrocede em relação às conquistas da Eco-92, não retrocede em relação a Johannesburgo, não retrocede a todos os compromissos assumidos nas demais conferências das Nações Unidas. Ao contrário, o documento avança’”.

Dentro e fora dos bastidores da Cúpula dos Povos, por sua vez, o clima era outro. Segundo informações colhidas pelo Instituto Socioambiental (ISA), o que predominou foi o clima do “ceticismo”. Para Cindy Weisner, da Aliança Popular pela Justiça Global, representado os Estados Unidos na coordenação da Cúpula dos Povos, não há confiança no que se negociou na Rio+20. Segundo ele, “precisamos de soluções reais” e que apenas na Cúpula dos Povos foi onde estiveram “os verdadeiros defensores dos direitos e do futuro dos povos”.

De acordo, ainda, com o ISA, as organizações socioambientalistas alertam que o governo brasileiro tentou “vender na Rio+20 a imagem de que o País cresce de forma sustentável, mas é responsável pelo maior retrocesso ambiental da história”. Para o biólogo João Paulo Capobianco, presidente do conselho do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), em entrevista ao ISA:

— Não podemos compactuar com o jogo de cena que se tentou criar de que o Brasil está indo muito bem, de que está tudo maravilhoso, a questão do desenvolvimento sustentável está bem encaminhada...

O teólogo, escritor e ambientalista Leonardo Boff, por sua vez, que, além de ser uma das personalidades mais esperadas pelo público na Cúpula dos Povos, e que conseguiu, segundo o jornalista Matheus Lombardi, do UOL, no Rio de Janeiro, o que os chefes de Estado não conseguiram na Rio+20, ou seja, ser aplaudido de pé por uma plateia apaixonada em todas as suas aparições durante o evento, não poupou críticas ao evento oficial.

— O tema básico da Rio+20 é ‘que futuro nós queremos’, o futuro que eles preparam lá, nos leva a beira do abismo. Um passo a mais nós caímos. Então por lá não passa esperança, não passa nada.

Para ele, o relatório apresentado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) sobre economia verde, é “um documento materialista, miserável. Não fala nada de ética, de espiritualidade, de espírito humano. É economia e mais economia e agora pintada de verde”.

Sobre a cor do dinheiro, referindo-se a maior das preocupações da Rio+20, a ambientalista Marina Silva já havia textualmente dito em entrevista à revista Veja no dia 11:

— É uma perda de tempo discutir a cor da economia quando deveríamos estar discutindo o modelo de desenvolvimento de que o Brasil e o mundo precisam.

Para ela, “o desenvolvimento sustentável é mais abrangente e é ele que deve prevalecer, porque vai além da dimensão econômica e social”, incorporando igualmente aspectos ambientais, culturais, políticos, éticos e estéticos.

No Ato em Defesa das Florestas, promovido pela Cúpula dos Povos no dia 16, Marina Silva alertou:

— O que estamos celebrando de ganho está sendo usado para patrocinar o retrocesso. É um paradoxo. Mostra a vantagem de reduzir o desmatamento e, ao mesmo tempo, mina as bases que promoveram a redução desse desmatamento.

A participação da ex-ministra do Meio Ambiente no evento foi pertinente, sendo necessária e satisfatória a sua mensagem esclarecedora sobre certos temas que estavam na pauta do dia. Assim, sugiro assistir ao vídeo que registrou a sua passagem pelo ato, não levando, para isso, nem 10 minutos do seu tempo. Vale conferir!

http://www.minhamarina.org.br/videos/interna.php?id_video=621&titulo=Marina fala no Ato em Defesa das Florestas - Cúpula dos Povos - Rio+20&categoria=Discurso

Já na quinta-feira (21), Marina Silva foi entrevistada pelo jornalista Heródoto Barbeiro no Jornal da Record News. À oportunidade, fez uma análise da atuação do Brasil no documento final da Rio+20. Assista também!


Na sexta-feira (22), por sua vez, em artigo publicado na coluna semanal que assina no jornal Folha de S. Paulo, a ambientalista fez uma sucinta avaliação da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Abaixo, portanto, a íntegra do artigo:


Recusa ao chamado

Mesmo com a visão tolhida pela proximidade dos fatos, arrisco-me a dizer o que saiu 100% vitorioso dessa “Rio-20”. Foram as posições defendidas abertamente pelos negociadores dos EUA – e adotadas por Índia, China e Rússia – de recusa a submeter seus interesses a decisões multilaterais – uma das melhores formas para encontrar saídas para a grave crise ambiental que ameaça o futuro do planeta.

A Europa, que durante 20 anos sustentou política e operacionalmente a tese da primazia do multilateralismo junto com um grupo de países, entre eles o Brasil, manteve esse discurso no Rio, mas, ao mesmo tempo, transferiu para a burocracia diplomática o papel de subtrair dele a imprescindível chancela da ação.

Já o Brasil optou pela renúncia à ousadia e perdeu o acanhamento em assumir-se conservador no agir e no falar. Esse documento anódino aprovado pode ter sido muito duro para o multilateralismo, na medida em que lhe passa atestado de incompetência como espaço de negociação. Não faltará quem advogue o ocaso do multilateralismo para resolver a crise ambiental. Os resultados pífios da agenda oficial dessa lamentável “Rio-20” devem-se à trama de interesses e de vontades que agiu persistentemente desde a Rio 92, para que nenhuma mudança os afetem ou possa vir a ameaçar sua hegemonia geopolítica.

Em 1992, o apelo da menina Severn Suzuki aos chefes de Estado, para que assumissem compromissos ambientais, comoveu o mundo. Agora, a neozelandesa Britanny Trilford foi mais incisiva: “Vocês estão aqui para salvar suas imagens ou para nos salvar?”. E mais: “Cumpram o que prometeram”. Rostos impassíveis ouvindo a crítica. Será que essa denúncia contundente de sua inação os abala de fato?

A conferência mostrou a distância crescente entre os povos e os Estados. O contraste não foi apenas entre as cores barulhentas da diversidade social e as formalidades do Riocentro. Trata-se de um deslocamento que a sociedade faz, um trânsito na civilização que não é acompanhado pelos governos. Estes limitam-se a falar do futuro enquanto disputam o espólio do século passado e se prestam a ser os guardiães da insustentabilidade.

A grande decepção, infelizmente, foi a recusa do governo brasileiro em assumir a liderança inovadora que sua condição de potência socioambiental lhe dá, afastando-se de sua tradição diplomática na agenda ambiental.

Ao permitir-se ser a mão que enfraqueceu o multilateralismo e reforçou as estratégias exclusivistas dos países ricos, rendeu-se à mesma lógica que levou ao retrocesso interno expresso no Código Florestal. Faltou atitude aos países, e o Brasil nada fez para reverter essa situação ou denunciá-la.


Desse modo, para quem ainda não sabe muito bem de que lado ficar, talvez o melhor seja aceitar a sugestão da própria Marina, que disse:

— É hora de assumir posição!


Nathalie Bernardo da Câmara

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