Imagens
do horror
Por Marina
Silva
Ambientalista, ex-senadora e ex-ministra do meio
ambiente, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, no dia 10 de janeiro de 2014.
O que os olhos não veem, o coração não sente.
Seguindo o dito popular, O Brasil pretendeu não sentir a dor que acumulava em
suas penitenciárias. Hoje, a realidade salta aos olhos em contraste com a Copa
do Mundo e outros eventos em que o país se expõe na vitrine internacional.
São cerca de 550 mil presos, grande parte em
condições terríveis: amontoadas, sob temperaturas que superam os 50 graus, sem
água e circulação de ar, entre fezes e ratos. O ministro da Justiça, em
novembro de 2012, disse que preferia morrer a cumprir pena em lugares assim. Já
era titular da pasta há dois anos. Outro ano se passou desde aquela afirmação
pública corajosa, mas preocupante, por não ser acompanhada de ações
correspondentes à magnitude do drama. As prisões continuam sendo
"sucursais do inferno" e "escolas do crime", expressões da
falência do sistema.
Agora novas crises nos Estados mobilizam a opinião
pública e a dramaturgia política repete a cena já conhecida: o governo se cala,
a oposição grita. Será porque a crise mais evidente está no Maranhão, dirigido
por aliados incômodos de uns e adversários cômodos de outros?
Não podemos deixar que se naturalize a
insensibilidade na visão de que o Maranhão é assim mesmo e não tem jeito. De
fato, o drama local é antigo. Circula na internet o filme de Glauber Rocha
feito na posse de José Sarney como governador em 1966. Criticado na época, o
genial cineasta é hoje saudado pelo contraste entre as imagens duras da
realidade social e um discurso desprovido de ação efetiva para mudar a
realidade, que só se agrava 50 anos depois.
Mas não é só no Maranhão, e as responsabilidades
envolvem Estados e União, Executivo e Judiciário – e também o Legislativo, cuja
função é fiscalizar.
A população carcerária cresce rapidamente: em 20
anos passou de 140 mil presos para mais de meio milhão. A maioria é pobre e tem
baixa escolaridade, 65% são negros. Tuberculose e outras doenças contagiosas,
inclusive sexualmente transmissíveis, afetam mais da metade.
Dois terços cumprem pena por crimes contra o
patrimônio ou tráfico; cerca de 12%, por homicídios. Essa é uma grande
distorção. Cerca de 50 mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil e apenas
8% dos casos são investigados com êxito. Gastamos R$ 1.500/mês para enjaular as
pessoas e devolvê-las piores à sociedade.
As conclusões são óbvias: é preciso transformar o sistema de segurança e Justiça criminal em seu conjunto, não basta repassar verbas e jogar água no mesmo moinho.
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