“Brasil é recordista mundial no uso de agrotóxicos...”.
Paulo Kliass
Especialista em Políticas
Públicas e Gestão Governamental e doutor em economia.
Quando não mata de raiva, o governo brasileiro mata
de fome; quando não mata de fome, envenena – morte gradual e silenciosa,
fomentando um extermínio em massa... Só que, quando penso em veneno, penso, por tabela, em
agrotóxico, que, por sua vez, me remete à pecuarista e senadora Kátia Abreu
(PMDB-TO), presidente da Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil (CNA), principal órgão representativo do agronegócio
brasileiro, além de ser considerada a musa do agronegócio
no país e o olho do
câncer que é a bancada ruralista no Congresso Nacional, coisa que, definitivamente,
ninguém merece! Como se não bastasse – desgraça pouca é bobagem –, a
Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão governamental, liberou, recentemente, como
veremos abaixo, 19 tipos de agrotóxicos.
No artigo Paraíso dos agrotóxicos: o inferno é aqui mesmo!, publicado na Carta Maior (31/10/2012), Paulo Kliass, indignado em relação ao uso em demasia, sem controle e sem necessidade de agrotóxicos no Brasil, pontuou: — Ora, para assegurar o bem estar coletivo da geração atual e das futuras, contamos apenas com a ação preventiva, reguladora e punitiva do Estado.
E o articulista prossegue, dizendo que “a visão liberal, de deixar a solução por conta apenas pelo
equilíbrio das forças de oferta e demanda, revela-se como uma insanidade
completa. E no caso brasileiro, tal presença do poder público deve ir para além
de um rigor maior na cassação de licenças reconhecidamente danosas. É essencial
a repressão ao contrabando de agrotóxicos que entram ilegalmente pelas
fronteiras de países vizinhos, somando-se às toneladas acima mencionadas. Mas,
talvez uma das ações mais importantes, do ponto de vista estratégico e de longo
prazo, seja mesmo a mudança cultural. O Estado deve utilizar instrumentos de
política econômica, de pesquisa científica, de padrões de educação e de
campanhas de esclarecimento para mudar a forma como a sociedade encara o
agrotóxico. Na contabilidade empresarial, o uso de agrotóxico deve surgir como
um fator de produção mais caro, mais custoso do que os métodos agrícolas não
agressivos. Do ponto de vista do consumidor, deve haver uma maior
conscientização para que sejam mais demandados os produtos orgânicos e que não
contenham esses venenos em sua cadeia produtiva. Do ponto de vista dos
produtores rurais, devem ser estimuladas e apresentadas as formas alternativas
de atividade agropecuária, com recursos da biotecnologia e da tecnologia
social, de tal forma que façam chegar à mesa das famílias produtos livres da
transgenia e dos agrotóxicos”.
O problema, contudo, é que, apesar do
seu belo e supostamente promissor discurso de posse – eu guardo uma cópia até
hoje (de vez em quando passo uma vista, como se diz) –, a presidenta Dilma
Rousseff tem o péssimo hábito de não cumprir o que promete. O fortalecimento do
Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, que, hoje, após mais de três anos de
mandato, não passou das boas intenções – nem vai passar. Só que, destas, como
diz um dito popular, o inferno está cheio. O caos na educação, outro exemplo,
já virou caso de polícia. No quesito segurança pública, então, o mais seguro e
prudente é nem tocar no assunto. Novo Código Florestal? Isso não existe! E nem
teve serventia o mundo praticamente implorar para que Dilma o vetasse... Desse modo, não é surpresa a Anvisa, que, diga-se de passagem, é
uma negação, ter autorizado
a liberação do uso dos agrotóxicos em questão, cedendo, assim, as pressões do
agronegócio, em detrimento – nenhuma novidade – da saúde e do bem-estar da
população brasileira. Por isso e por outras querer o meu ambiente por inteiro –
não pela metade.
Nathalie Bernardo da Câmara
Anvisa libera 19
agrotóxicos e Brasil passar a consumir 1 milhão de toneladas
17 de março de 2014
Da
página no Facebook do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com
informações da revista Valor Econômico
Sob
forte pressão do Ministério da Agricultura e de setores ligados ao agronegócio,
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a liberação de 19
novos agrotóxicos e produtos equivalentes para serem aplicados já no primeiro
bimestre deste ano.
Há pelo menos dois anos que o setor
reclama de uma suposta morosidade nos processos de liberação desses produtos
por parte da Anvisa.
Para aplacar essa insatisfação, o governo
já havia autorizado o Ministério da Agricultura, por meio da Medida Provisória
619/2013, a dar o sinal verde, em caráter emergencial, para importação,
produção, distribuição, comercialização e uso de agrotóxicos ainda não
registrados no país.
A medida teve como objetivo permitir a
utilização de defensivos à base de benzoato de emamectina, voltados ao controle
da lagarta Helicoverpa armigera, que ataca lavouras de grãos e algodão.
Recentemente, o Conselho Diretor da
Fiocruz soltou uma carta aberta à sociedade brasileira criticando veementemente
medidas como essa, alertando para os riscos causados pelas modificações na
legislação que regula o uso de agrotóxicos no país.
De acordo com a carta, o "processo
em curso de desregulação sobre os agrotóxicos que atinge especialmente o setor
saúde e ambiental no Brasil, está associado aos constantes ataques diretos do
segmento do agronegócio às instituições e seus pesquisadores que atuam em
cumprimento as suas atribuições de proteção à saúde e ao meio ambiente".
Desde o ano passado, há um forte movimento que defendia o esvaziamento da Anvisa e a criação de uma nova agência voltada apenas a avaliações de agrotóxicos.
A intenção era criar a Comissão Técnica
Nacional de Agrotóxicos (CTNAgro), subordinada a Casa Civil, mas com 13 membros
de setores da sociedade civil e do governo federal.
Especialistas na área denunciavam que
essa medida serviria apenas para criar uma comissão de fachada, como ocorre com
a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável em aprovar
novos transgênicos.
Em entrevista a IHU On-Line na época,
Fernando Carneiro, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências
da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), já se demonstrava temeroso com a
proposta de a CTNAGRO ser inspirada na CTNBio, porque desde a sua criação ela
“aprovou 100% dos pedidos de liberação de transgênicos”.
Para ele, a criação da CTNAGRO está
relacionada com a divulgação de relatórios da ANVISA, os quais demonstram que
36% das frutas, verduras e legumes produzidos no Brasil estão contaminados e
são impróprios para o consumo.
“Gostaria de destacar que esse
esvaziamento parcial da ANVISA está muito relacionado a esses dados, os quais
passam a ser discutidos no país. Esse é um dos poucos resultados de
monitoramento público dos impactos dos agrotóxicos, e esse trabalho está
ameaçado por essa nova reconfiguração do registro de agrotóxico do Brasil e de
qual será o papel dos órgãos a partir da reconfiguração. O relatório da ANVISA
é apenas uma parte do que deveria estar sendo monitorado, contabilizado. Mas o
que se vê é o movimento contrário, de tirar o papel do Estado destas questões”,
ressalta.
Mais agrotóxicos
Independentemente das posições contrárias
a essas liberações, novas aprovações continuam a sair.
Na última quinta-feira (14), o Ministério
da Agricultura publicou uma portaria (188/2014) que estabeleceu emergência
fitossanitária em Minas Gerais, devido ao "baixo" nível de capacidade
no combate à broca do café, e amanhã o ministro Antônio Andrade deve anunciar,
em evento no Estado, a aprovação emergencial do ciantraniliprole, da DuPont,
para combater o inseto. A decisão veio depois de a Anvisa proibir no país, no
segundo semestre de 2013, a comercialização do endossulfam, até então o
principal produto contra a praga.
Na esteira das autorizações emergenciais,
o Ministério da Agricultura também está prestes a liberar o benzovindiflupir,
da Syngenta, recomendado para combater a ferrugem asiática da soja. O produto
está entre os que foram aprovados neste ano pela Anvisa. O Ministério da
Agricultura está avaliando os últimos detalhes para publicar a bula do produto.
Somando-se as liberações emergenciais e
as regulares, o Brasil, que já é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo,
caminha para registrar vendas de 1 milhão de toneladas desses produtos em 2014.
No ano passado, as vendas geraram
faturamento superior a US$ 10 bilhões, 8% mais que em 2012 - quando o volume
chegou a 823 mil toneladas. Um dossiê feito em 2012 pela Associação Brasileira
de Saúde Coletiva (Abrasco) mostrou que, dos 50 produtos mais utilizados nas lavouras
brasileiras, 22 são proibidos na União Europeia.
Nessa conta, estão declarados apenas os
produtos comercializados de maneira legal. Além deles, ainda existe um mercado
informal no Brasil. Segundo dados do Sindiveg, até 2010 os produtos
falsificados representavam 5% das apreensões e os contrabandeados, 95%. Em
2013, o percentual de falsificados cresceu para 50%.
Mesmo com a perspectiva de consumo
recorde de agrotóxicos no Brasil em 2014, o lobby para a aprovação de mais
produtos continua firme e forte. Na quarta-feira passada, deputados da Frente
Parlamentar da Agropecuária (FPA) se reuniram com o ministro da Agricultura,
Antônio Andrade, para pedir agilidade no registro de novos defensivos genéricos
para a agricultura.
Fiocruz denuncia mudanças na legislação de
agrotóxicos
24 de fevereiro de 2014
Da página no Facebook do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
No último dia 20 de fevereiro, o Conselho Diretor da Fiocruz aprovou por unanimidade uma carta aberta à sociedade brasileira alertando para os riscos causados pelas recentes modificações na legislação que regula o uso de agrotóxicos no país.
De acordo com a carta, o
"processo em curso de desregulação sobre os agrotóxicos que atinge
especialmente o setor saúde e ambiental no Brasil, está associado aos
constantes ataques diretos do segmento do agronegócio às instituições e seus
pesquisadores que atuam em cumprimento as suas atribuições de proteção à saúde
e ao meio ambiente".
A carta aponta ainda que estudos internacionais não deixam dúvidas sobre os danos causados pelos agrotóxicos, afetando, sobretudo, "trabalhadores e comunidades rurais que estão sistematicamente expostos a estes produtos, inclusive por meio de pulverizações aéreas de eficácia duvidosa".
Através da carta, a Fiocruz ataca diretamente a lei que permite a importação de agrotóxicos sem consulta ao Ministério da Saúde e do Meio Ambiente, e solicita sua revogação imediata. A entidade também alerta para um projeto de lei que tem o mesmo o objetivo.
Finalmente, a instituição "se coloca à inteira disposição das autoridades do executivo, do legislativo, do judiciário, do Ministério Público e da sociedade civil para participar das discussões sobre o marco regulatório de agrotóxicos, na busca de alternativas sustentáveis, como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica".
Veja íntegra da carta:
Carta aberta da Fiocruz frente às atuais mudanças na regulação de agrotóxicos e perdas para saúde pública
A Fiocruz, por meio de posicionamento unânime do seu Conselho Deliberativo (CD), reunido no dia 20 de fevereiro de 2014, manifesta que a Legislação de Agrotóxicos no Brasil (Lei 7.802/89 e Decreto 4.074/2002) é uma conquista da sociedade brasileira dentro de um processo participativo-democrático e amparado pela Constituição da República de 1988.
Nela o Estado, com a
participação da sociedade civil, tem o dever de avaliar e controlar o seu uso,
por meio de mecanismos intersetoriais de órgãos da saúde, agricultura e meio
ambiente. No caso da saúde, cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) a execução destas atividades.
A crescente pressão dos conglomerados econômicos de produção de agroquímicos para atender as demandas do mercado (agrotóxicos, fertilizantes/micronutrientes, domissanitários) e de commodities agrícolas, tem resultado numa tendência de supressão da função reguladora do Estado.
As legislações recentemente publicadas e os correspondentes projetos de lei em tramitação, ao flexibilizarem a função regulatória do estado, tendem a desproteger a população dos efeitos nocivos inerentes aos agrotóxicos, principalmente, e de maneira mais grave, àqueles segmentos sociais de maior vulnerabilidade: trabalhadores e moradores de áreas rurais, trabalhadores das campanhas de saúde pública e de empresas de desinsetização, populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas.
A literatura científica internacional é inequívoca quanto aos riscos, perigos e danos provocados à saúde pelas exposições agudas e crônicas aos agrotóxicos, particularmente entre os trabalhadores e comunidades rurais que estão sistematicamente expostos a estes produtos, inclusive por meio de pulverizações aéreas de eficácia duvidosa.
A Fundação Oswaldo Cruz, enquanto uma das principais instituições de produção tecnológica, pesquisa, ensino técnico e pós-graduado em saúde do país, tem o compromisso de produzir conhecimento para a proteção, promoção e cuidado da saúde.
Na questão específica do tema agrotóxicos, em perspectiva interdisciplinar, a Fiocruz historicamente oferta cursos e desenvolve pesquisas voltadas para o aprimoramento da gestão pública; realiza diagnóstico de agravos de interesse da saúde pública; implementa programas inovadores de vigilância; desenvolve e a aplica metodologias de monitoramento e avaliação toxicológica, epidemiológica e social; e realiza a investigação de indicadores preditivos de danos e a comunicação científica.
Entre às atividades de serviços prestados, a Fiocruz integra o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e as ações de Vigilância a Saúde. Mantém sob sua coordenação o Sistema Nacional de Informação Toxico-Farmacológica (Sinitox) que disponibiliza desde 1985 informações sobre os agravos relacionados aos agrotóxicos com base nas notificações coletadas junto aos centros de informação e assistência toxicológica distribuídos no país.
Participou diretamente
das atividades de reavaliação e decisão sobre os agrotóxicos que provocam
efeitos agudos e crônicos sobre a saúde humana conforme dados experimentais,
clínicos e epidemiológicos obtidos em trabalhadores e em consumidores, onde são
suspeitos de possuir efeitos carcinogênicos, teratogênicos, mutagênicos,
neurotóxicos e de desregulação endócrina.
Na cooperação técnica destacam-se sua participação direta junto ao Sistema Único de Saúde, órgãos colegiados, agências internacionais (OMS/OPS/IARC/IPCS; OIT; FAO) e organizações multilateriais (Convenções de Estocolmo, da Basiléia, Roterdã) voltados aos processos de regulação de produtos e serviços de risco químico /agrotóxicos.
Na cooperação técnica destacam-se sua participação direta junto ao Sistema Único de Saúde, órgãos colegiados, agências internacionais (OMS/OPS/IARC/IPCS; OIT; FAO) e organizações multilateriais (Convenções de Estocolmo, da Basiléia, Roterdã) voltados aos processos de regulação de produtos e serviços de risco químico /agrotóxicos.
Colabora com órgãos
Legislativos, Ministério Público e Sociedade Civil Organizada em iniciativas
que visam aprimorar a atuação no controle de agrotóxicos e fomento a produção
limpa e segura.
Este processo em curso de desregulação sobre os agrotóxicos que atinge especialmente o setor saúde e ambiental no Brasil, está associado aos constantes ataques diretos do segmento do agronegócio às instituições e seus pesquisadores que atuam em cumprimento as suas atribuições de proteção à saúde e ao meio ambiente.
Frente a estes ataques a
Fiocruz, o Instituto Nacional de Câncer e a Associação Brasileira de Saúde
Coletiva já responderam repudiando-os mediante nota pública, reafirmando assim
seu compromisso perante á sociedade de zelar pela prevenção da saúde e proteção
da população.
Em suas relações com a sociedade, de acordo com preceitos éticos e do SUS, a Fiocruz participa de diversas iniciativas de esclarecimento e mobilização tais como o “Dossiê da Abrasco - Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde” assim como da “Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida”, do “Grito da Terra”; “Fóruns Nacional e Estaduais de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos” entre outros mecanismos e instrumentos que visam buscar alternativas ao uso de agrotóxicos.
Ante o exposto, a Fundação Oswaldo Cruz contesta a Lei que permite o registro temporário no País em casos de emergência fitossanitária ou zoossanitária sem avaliação prévia dos setores reguladores da saúde e do meio ambiente (Lei n° 12.873 /13 e o Decreto n° 8.133/13), pugnando por sua revogação imediata.
A Fiocruz se coloca
também contrária a outros Projetos de Lei que tenham o mesmo sentido, como o PL
209/2013 do Senado que pretende retirar definitivamente ou mesmo restringir a
atuação das áreas de saúde e meio ambiente do processo de autorização para
registro de agrotóxicos no Brasil.
Declara, ainda, que se coloca à inteira disposição das autoridades do executivo, do legislativo, do judiciário, do Ministério Público e da sociedade civil para participar das discussões sobre o marco regulatório de agrotóxicos, na busca de alternativas sustentáveis, como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
Declara, ainda, que se coloca à inteira disposição das autoridades do executivo, do legislativo, do judiciário, do Ministério Público e da sociedade civil para participar das discussões sobre o marco regulatório de agrotóxicos, na busca de alternativas sustentáveis, como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
Frente a esse cenário a
Fiocruz formalizou um Grupo Trabalho sobre agrotóxicos entre seus pesquisadores
para tratar de forma sistemática o tema.
A Fiocruz convoca a sociedade brasileira a tomar conhecimento sobre essas
inaceitáveis mudanças na lei dos agrotóxicos e suas repercussões para a saúde e
a vida.
Casa Civil pressiona ministérios para a
liberalização de agrotóxicos
6 de fevereiro de 2014
Da revista IHU On-Line do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)
Desde meados do ano passado, especula-se a criação da Comissão Técnica Nacional de Agrotóxicos (CTNAGRO), que poderá ser o novo órgão responsável pela aprovação de agrotóxicos no Brasil. De acordo com o professor da Universidade de Brasília (UnB), Fernando Carneiro*, a Comissão “é inspirada no modelo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), (...) portanto, órgãos como o Ministério da Saúde e Ministério do Meio Ambiente não exerceriam o seu papel atual de análise técnica dos processos que envolvem a liberação dos agrotóxicos. Essa responsabilidade seria repassada para a comissão, e o processo de registro dos agrotóxicos seria terceirizado para instituições a serem conveniadas com essa comissão”.
Na entrevista a seguir,
concedida à IHU On-Line por telefone, Carneiro diz que está temeroso com a
proposta de a CTNAGRO ser inspirada na CTNBio, porque desde a sua criação ela
“aprovou 100% dos pedidos de liberação de transgênicos”. Estima-se ainda que a
comissão estará subordinada à Casa Civil e, se isso acontecer, o órgão
“concentrará poder e o lobby ficará ainda mais facilitado”, adverte o
pesquisador.
Para Carneiro, a criação da CTNAGRO está relacionada com a divulgação de relatórios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), os quais demonstram que 36% das frutas, verduras e legumes produzidos no Brasil estão contaminados e são impróprios para o consumo.
Para Carneiro, a criação da CTNAGRO está relacionada com a divulgação de relatórios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), os quais demonstram que 36% das frutas, verduras e legumes produzidos no Brasil estão contaminados e são impróprios para o consumo.
“Gostaria de destacar
que esse esvaziamento parcial da ANVISA está muito relacionado a esses dados,
os quais passam a ser discutidos no país. Esse é um dos poucos resultados de
monitoramento público dos impactos dos agrotóxicos, e esse trabalho está
ameaçado por essa nova reconfiguração do registro de agrotóxico do Brasil e de
qual será o papel dos órgãos a partir da reconfiguração. O relatório da ANVISA
é apenas uma parte do que deveria estar sendo monitorado, contabilizado. Mas o
que se vê é o movimento contrário, de tirar o papel do Estado destas questões”,
ressalta.
Em que consiste a proposta de criar a CTNAGRO? Qual seria a finalidade dessa Comissão e em que contexto surge essa proposta?
De forma não oficial, baseado em reportagens que são publicadas em alguns jornais e informações que temos recebido de algumas pessoas que têm acompanhado as reuniões para a criação da CTNAGRO, parece que desde junho um grupo ministerial tem se reunido na Casa Civil para discutir a proposta da criação dessa comissão.
Ela é inspirada no
modelo da CTNBio e seria criada para controlar o processo de liberação dos agrotóxicos;
portanto, órgãos como o Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente não
exerceriam o seu papel atual de análise técnica dos processos que envolvem a
liberação dos agrotóxicos. Essa responsabilidade seria repassada para a
comissão, e o processo de registro dos agrotóxicos seria terceirizado para
instituições a serem conveniadas com essa comissão. Não sabemos quais serão
essas instituições, se serão universidades ou outros tipos de empresas, porque
a discussão está sendo feita a quatro portas.
Ou seja, não há nenhum
debate, e pode acontecer o que aconteceu com a liberação do benzoato, quer
dizer, em questão de um mês uma medida provisória virou lei e liberou um
agrotóxico com essa substância, o qual não será avaliado nem pelo Ministério da
Saúde, nem pelo Ministério do Meio Ambiente. Em linhas gerais, a proposta é
essa.
Qual será a atuação da ANVISA diante da criação da CTNAGRO? Trata-se de uma proposta para “esvaziar” o órgão? O que mudaria em relação ao processo de liberação de agrotóxicos?
É claro que o papel de órgãos como a ANVISA será diminuído, porque a responsabilidade técnica de liberar um produto toxicológico já não será mais do órgão. Outras instâncias terão responsabilidade sobre esse processo. Então isso vai implicar um esvaziamento, sim, do papel da ANVISA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Como vê a proposta de subordinar a CTNAGRO à Casa Civil?
A Casa Civil, nos últimos anos, tem sido muito sensível às demandas do agronegócio. Na visão dos ruralistas, os processos de registros são muito lentos e demorados no Brasil. Os ruralistas reclamam da demora do processo, mas, na minha avaliação, ele deveria ser ainda mais restritivo, porque o registro do agrotóxico no Brasil é eterno; em outros países, não.
As taxas que as empresas
pagam para registrar os produtos no Brasil são irrisórias: dois, três mil
reais, enquanto nos EUA as taxas são de 200, 300 mil dólares. É impressionante
como o Brasil ainda tem muito a avançar no sentido de cobrar mais
responsabilidade das empresas, porque elas querem uma liberalização total do
processo de liberação de agrotóxicos. Nesse sentido, a Casa Civil tem sido
utilizada – porque é um Ministério que tem um poder de articulação sobre os
outros – para pressionar os outros Ministérios a acelerar processos de
liberalização dos agrotóxicos. Se essa comissão estiver subordinada à Casa
Civil, concentrará poder e o lobby ficará ainda mais facilitado.
Como o senhor avalia a postura da CTNBio na liberação dos transgênicos no país? Quais os riscos de a CTNAGRO ser criada nos moldes da CTNBio?
Ficamos temerosos de que a CTNBio seja o modelo de inspiração da criação da CTNAGRO, porque a CTNBio, desde a sua criação, aprovou 100% dos pedidos de liberação de transgênicos; não houve nenhuma recusa, nenhum indeferimento de processo, ou seja, é um órgão que tem recebido muitas críticas porque não discute conflitos de interesse.
Muitos pesquisadores da
CTNBio são financiados pelas multinacionais que têm interesse direto, por
exemplo, na aprovação de tipos de transgênicos. Recentemente foi solicitada uma
audiência pública à CTNBio para discutir a liberação do 2.4-D, que tem
componentes do agente laranja, a qual foi negada. Portanto, trata-se de um
órgão que está na contramão da história em termos de diálogo com a sociedade,
em termos de sensibilidade com questões de saúde e do meio ambiente. O órgão se
utiliza de um discurso científico, como se fossem cientistas, e não políticos.
Estamos preocupados com
a possibilidade de o Congresso Nacional aprovar alguma medida liberando geral
os agrotóxicos, porque processos como esse estão sendo gestados na Casa Civil,
com o apoio da bancada ruralista.
Quanto o Brasil gasta com tratamentos em saúde por conta da contaminação com esses produtos?
Houve uma tentativa inicial de calcular esse custo a partir de uma tese de doutorado da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O pesquisador Wagner Ribeiro avaliou as informações do Sistema Único de Saúde - SUS do estado do Paraná, onde os dados eram mais fidedignos, e demonstrou que a cada dólar gasto em agrotóxico, se gasta 1,28 dólares no tratamento de camponeses que são intoxicados.
Então, se o Brasil é o
maior consumidor de agrotóxicos do planeta, e gasta bilhões em relação aos
agrotóxicos, existe um gasto no SUS que está escondido, pois muitas vezes os
médicos têm medo de diagnosticar uma intoxicação ou não estão preparados para
identificá-la. Portanto, muitas informações não chegam às estatísticas
oficiais, mas mesmo assim, com toda essa dificuldade real na ponta do sistema,
os dados oficiais estão demonstrando um crescimento anual de intoxicação por
agrotóxicos no país.
Os últimos dados do SUS,
de 2013, apesar de ainda não estarem fechados, demonstram aproximadamente 12
mil intoxicações. De acordo com a organização Mundial de Saúde (OMS), cada caso
de intoxicação sinaliza que outros 50 não foram notificados. Se fizermos essa
continha, chegaremos a 10 mil casos, e se multiplicamos por 50, teremos
provavelmente em torno de 500 mil casos anuais de intoxicação de agrotóxicos no
Brasil.
Estou falando apenas de
casos de intoxicação aguda. Ainda estamos longe de conseguir estimativas para
casos de intoxicação crônica, que pode gerar câncer, alterar funções
metabólicas. Mas o que se vê é que o câncer na população do campo já é maior do
que na população urbana.
Como os tratamentos por contaminação de agrotóxicos são feitos no Brasil?
Existem dois grandes problemas em relação ao tratamento. Primeiro, há dificuldades de fixar um profissional da saúde em determinados territórios. Então, quando você consegue fixar um médico na zona rural, muitas vezes esse médico também atende os pacientes do munícipio, de algumas empresas e às vezes ele também é dono de terras na região. Nesses casos há conflitos de interesse local. Então o médico não quer notificar um caso de contaminação porque não quer perder o outro emprego ou tem medo de ameaçar grandes interesses. Essa é uma situação muito comum.
O segundo problema é que
nas faculdades de Medicina a área da saúde do trabalhador e a área de
toxicologia não são muito valorizadas pelos estudantes, que têm uma formação
mais voltada para o mercado por especialidades. Então, muitas vezes os médicos
não estão preparados para identificar uma intoxicação.
De acordo com a ANVISA, 36% das amostras de frutas, verduras, legumes e cereais estão impróprias para consumo.
De acordo com a ANVISA, 36% das amostras de frutas, verduras, legumes e cereais estão impróprias para consumo.
Como o senhor avalia os cuidados com a saúde em
relação aos alimentos consumidos no país? Quais são as dificuldades?
Eu queria destacar duas coisas: a primeira é que está aumentando a porcentagem global de alimentos contaminados, portanto, estamos comendo mais veneno na comida; a segunda é que alguns agrotóxicos estão sob avaliação da ANVISA. Entre eles há agrotóxicos que são proibidos e que não têm registro. Mas os agrotóxicos encontrados em maior quantidade nos alimentos eram aqueles que estavam com recomendação de proibição, o que mostra que não são agrotóxicos triviais que estão sendo encontrados. Trata-se de agrotóxicos que estão sendo questionados em sua permanência ou não no Brasil.
Gostaria de destacar que
esse esvaziamento parcial da ANVISA está muito relacionado a esses dados, os
quais passam a ser discutidos no país. Esse é um dos poucos resultados de
monitoramento público dos impactos dos agrotóxicos, e esse trabalho está
ameaçado por essa nova reconfiguração do registro de agrotóxico do Brasil e de
qual será o papel dos órgãos a partir da reconfiguração. O relatório da ANVISA
é apenas uma parte do que deveria estar sendo monitorado, contabilizado. Mas o
que se vê é o movimento contrário, de tirar o papel do Estado destas questões.
A única exceção em relação aos agrotóxicos foi a aprovação de uma portaria da Secretaria de Vigilância da Saúde, que está apoiando os estados a realizarem a vigilância de saúde em populações que convivem com agrotóxicos. A portaria liberou 23 milhões, então cada estado receberá em torno de 700 mil ou um milhão para estruturar a vigilância e a saúde de populações que são contaminadas pelos agrotóxicos. Esse é o único movimento do plano federal, mas ainda está engatinhando.
Como avalia a autorização emergencial da Presidência da República para a utilização do benzoato de emamectina nas lavouras de soja? Quais as implicações desse produto?
A única exceção em relação aos agrotóxicos foi a aprovação de uma portaria da Secretaria de Vigilância da Saúde, que está apoiando os estados a realizarem a vigilância de saúde em populações que convivem com agrotóxicos. A portaria liberou 23 milhões, então cada estado receberá em torno de 700 mil ou um milhão para estruturar a vigilância e a saúde de populações que são contaminadas pelos agrotóxicos. Esse é o único movimento do plano federal, mas ainda está engatinhando.
Como avalia a autorização emergencial da Presidência da República para a utilização do benzoato de emamectina nas lavouras de soja? Quais as implicações desse produto?
É comprovado cientificamente que o benzoato é neurotóxico, ou seja, ele causa um dano no sistema nervoso de cobaias. Se isso já é comprovado, fico imaginando o que pode acontecer se esse produto for polarizado de Norte a Sul do país.
Há denúncias de
comunidades indígenas sendo pulverizadas, trabalhadores sendo pulverizados,
regiões de mananciais e nascentes sendo pulverizadas. Fico imaginando que
agora, com a liberação do benzoato, o brasileiro que vive nas áreas rurais vai
beber água e receber chuvas contaminadas por um produto que é comprovadamente
neurotóxico. Isso me preocupa muito, e a perspectiva é que se aprovem outros
produtos. A sociedade brasileira tem de dar um grito de basta a esse tipo de
irresponsabilidade do Estado.
Deseja acrescentar algo?
Nós estamos muito assustados com a velocidade com que o agronegócio tem conseguido alcançar seus objetivos em relação à liberalização das regras tanto no sentido da saúde quanto do meio ambiente. É importante que a sociedade pressione os parlamentares para que essa tendência realmente seja alterada. As mobilizações que ocorreram no ano passado foram muito importantes e ajudaram a mudar a pauta política do Congresso Nacional. Precisamos que a questão dos agrotóxicos fique na boca do povo para que o modelo que gera contaminação e morte não seja o modelo hegemônico da agricultura no Brasil.
A grande oportunidade em
relação a essa mudança foi o lançamento da Política Nacional de Agroecologia, que
ainda recebe oito bilhões de financiamento referente aos 154 bilhões do
agronegócio. Ela é uma grande possibilidade de reversão desse quadro a partir
de uma proposta concreta de começar outro modelo de produção, em que a vida e a
biodiversidade sejam colocadas em primeiro lugar. A Associação Brasileira de
Saúde Coletiva (ABRASCO) tem trabalhado muito nessa direção e organizou o
dossiê pelo impacto dos agrotóxicos na saúde, que é uma tentativa de cumprirmos
nosso papel científico de mostrar que o que está acontecendo é muito grave.
*Fernando Carneiro é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em Vigilância em Saúde Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Ciências da Saúde - área de Concentração de Saúde Ambiental pelo Instituto Nacional de Salud Pública de México e doutor em Ciência Animal - área de concentração de Medicina Veterinária Preventiva e Epidemiologia pela UFMG. Possui experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em vigilância em saúde ambiental e saúde no campo, atuando principalmente junto aos movimentos sociais na luta por melhores condições de saúde e ambiente. Foi consultor do Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Saúde e servidor da ANVISA. Coordenou a área de Epidemiologia Ambiental da Secretaria de Saúde de Minas Gerais e atuou como Coordenador Geral de Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde.
Atualmente
leciona no Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da
Universidade de Brasília (UnB), onde atua como pesquisador no Núcleo de Estudos
de Saúde Pública e é membro do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e do
Programa de Ciências da Saúde. Participa também do Grupo de Trabalho de Saúde e
ABRASCO e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Atualmente, é chefe do
Departamento de Saúde Coletiva da UnB e membro do Observatório da Política
Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF) (www.saudecampofloresta.unb.br), que
monitora todas as ações políticas em relação à saúde do campo, floresta e água.
E haja peito!
Finalizando,
portanto, essa, digamos, tentativa de catarse, ou melhor, de desintoxicação –
já estou tonta só de pensar que o meu café está envenenado –, disponibilizo o
link para a postagem O Veneno está
servido..., publicada no dia 16 de agosto de 2012 – obviamente, como não
poderia deixar de ser, que a mesma trata do tema ora em questão –, trazendo, em
seu final, na íntegra, o link para o documentário O Veneno está na mesa (2011), do cineasta brasileiro Silvio
Tendler, no qual, inclusive, consta uma entrevista com a senadora Kátia Abreu,
quando ainda era do Partido Democratas (DEM), onde, mais surtada do que
qualquer coisa, a terrorista ambiental, encarnação do retrocesso, expõe alguns
dos seus argumentos favoráveis ao uso
incondicional de toda má sorte de agrotóxicos. Imperdível!
Nathalie
Bernardo da Câmara
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