Sem choro nem vela
Folha de S. Paulo – 11/04/2014
Por
Marina Silva, ambientalista
brasileira
Havia tempo suficiente para planejar,
debater publicamente e preparar as obras para a Copa do Mundo. Mas o governo
federal se atrasou, definiu seus projetos entre quatro paredes e, ao final dos
prazos – atendendo aos "chutes" da Fifa –, optou por driblar a lei
das licitações.
O RDC (Regime Diferenciado de
Contratações) nasce como um "avexamento", se me permitem usar a
expressão popular da minha terra que compara vexame com pressa.
É claro que as leis de licenciamento e
fiscalização, em todos os setores, precisam ser melhoradas e aperfeiçoadas.
Precisamos vencer a burocracia e a morosidade, bem como integrar ganhos
socioambientais. Podemos fazer isso de modo democrático, sem abrir brechas para
direcionamentos que favorecem privilégios e desvios que levam à corrupção.
Mas a permissividade que gerou o
retrocesso político, econômico e ambiental dos últimos anos se impôs por meio
das "negociações" entre governo e parlamentares. E assim como foram
mudadas –para pior– as leis que protegem o meio ambiente, as comunidades, a
riqueza mineral e tudo o que o Brasil tem como patrimônio mais valioso, também
trocou-se o cuidado pelas facilidades na gestão das obras e serviços.
Tome-se como exemplo um dos pontos mais
polêmicos do RDC, a chamada "contratação integrada", que, aliás, não
por coincidência, já vinha sendo praticada pela Petrobras.
Ela deixa a cargo da empresa contratada
as decisões quanto ao método de construção, materiais, planos detalhados da
obra, ficando a administração pública com um mero anteprojeto em mãos.
A combinação disso com o "orçamento
sigiloso", outra diferença em relação ao processo de licitação
tradicional, destina-se a proporcionar economia de gastos ou a abrir a porta
para fraudes?
Os (maus) exemplos são muitos. Há pouco
tivemos a votação que contrabandeou anistia para quem descumpre as cláusulas
dos planos de saúde. Agora, mais um passo rumo ao descontrole: a Câmara aprovou
o relatório que estende a todas as obras públicas o regime
"diferenciado", que já havia sido adotado em presídios (aprovado no "avexamento"
das rebeliões no Maranhão), obras do PAC e outras. O que era uma concessão
especial virou rotina, e a lei de licitações é enterrada ainda com vida.
Assim, a reforma da legislação,
necessária para que nosso país possa investir em infraestrutura controlando os
riscos da corrupção e tomando todos os cuidados com as comunidades e com o meio
ambiente, é tratada com descaso num campo marcado por interesses eleitorais. Ou
alguém acha que fazer obras caras, às pressas e com danos socioambientais é uma
demonstração de competência na gestão pública?
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