Blog
do Turiba
Terça-feira,
29 de abril de 2014
Jogada antropofágica
Por
Luis Turiba
Poeta,
jornalista, compositor, sambista, agente cultural brasileiro.
Foi um lance transcendental, um verdadeiro gol de
placa. Ao devorar em segundos um racista em forma de banana, o lateral Daniel
Alves repetiu o ritual antropofágico dos índios tupinambás com o bispo
Sardinha. Foi vapt-vupt e lá se foi mais um inútil: sabe de nada, inocente.
Daniel, que é Alves, foi intuitivo. Aparentemente
não pensou, não elaborou, não blefou, nem teorizou. Agiu como um antropófago
faminto em cima de um prato de feijão com arroz. Como num gol de
bicicleta de Pelé ou numa nota musical de Caymmi. Foi um drible de Garrincha em
cima dos russos, uma cesta de Magic Johnson, uma levada de mão de Maradona
contra os ingleses, um vira-lata diante de um suculento osso. Materializou o
sonho de Martin Luter King num samba de Cartola: bate outra vez esperança no
meu coração.
No seu gesto nada inocente está presente toda a
malandragem brasileira. Mineirinho e Cara de Cavalo queimando ônibus no
Complexo do Alemão. Seja marginal, seja herói. Alegria é a prova dos nove. O
instinto Caraíba. Só me interessa o que não é meu.
Foi assim que o lance já nasceu genial, viral,
cyber-espacial. Já é uma peça publicitária contra otários. Um lance de
Chacrinha: vocês querem bacalhau ou bananal? Carmem Miranda e Oswald de Andrade.
Ali na zona do agrião, onde se bate escanteio sem
receio, ele comeu e nem mastigou. Nem tampouco tomou conhecimento do babaca que
lhe arremessou o alimento forte em potássio. Aquele projétil agressivo lhe é
familiar, faz parte do paladar coletivo de todo moleque brasileiro. Paladar
degustativo e social. O juiz não teve outra alternativa a não ser escrever na
súmula: devorou uma banana como um húmus.
Como um craque de pelada, Daniel inverteu a ofensa.
Banana agora é sinônimo de racista e será devidamente comida toda vez que
aparecer num estádio. Sabemos que naquela banana impura habitava um Hitler com
toda sua teoria de raça pura. De sobra, como uma cobra, ele devorou também
todos os remanescentes da Ku Klux Klan soltos na Europa branca e decadente e os
racistas de todos os matizes.
sabe que banana, menina, tem vitamina, banana
engorda e faz crescer. Por isso, seu gesto foi tão simbólico, tão genial e
generoso, forte e intenso. Acho até que ele não pensa como Neymar, seu colega
de Barça e de barca. Não somos todos macacos não. Estamos mais para aquela
versão de Miriam Makeba: “eu não sou macaco, mas eu gosto de banana”.
Nanica, prata, d'água, da terra ou padrão Fifa,
banana é banana e Daniel é um negro-mestiço de olhos verdes, como são os
gramados de futebol. E com esse lance, vencemos a primeira partida da Copa no
Brasil. Se vai ou não vai ter Copa, o resto é bola, é futebol.
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