quinta-feira, 1 de setembro de 2011

DOR DE OSSO É PIOR DO QUE DOR DE AMOR


“Uma dor nova nasce da própria dor...”.

Sêneca (v. 2 a. C. – 65 d. C.)
Filósofo grego




No carnaval de 2010, ao fazer uma fotografia de foliões mascarados de um dado bloco, esbarraram em mim. Como eu estava agachada, buscando um bom ângulo para obter certa imagem, torci o pé direito – os paralelepípedos desnivelados da rua ajudaram. Na hora, ouvi o estalar de alguma coisa comprometendo algo lá embaixo. Porém, no meio da folia, prossegui, a fotografar. No dia seguinte, contudo, senti os efeitos da torção. Fui ao hospital e, apesar das minhas recusas, engessaram o meu pé até o joelho, visto que um ligamento do tornozelo havia se rompido. Xinguei Deus, o Diabo e o carnaval. Afinal, eu teria de passar vinte dias arrastando aquela coisa, me apoiando em uma muleta para poder andar. E o peso do gesso! Ocorre que, no décimo dia da minha condição de enferma, passei a ter câimbras na perna engessada e os dedos do pé – os únicos sobreviventes ao sacrifício – adquiriram um rubor nada simpático, logo passando da cor vermelha à roxa, visto que a circulação do sangue havia se comprometido. Assim, seguindo orientações médicas, retornei ao hospital. Não deu outra! O ortopedista de plantão determinou que o gesso fosse retirado imediatamente. E o foi, para o meu aparente e enganoso alívio, já que, semana depois, eu começaria a sentir as dores decorrentes da interrupção – no caso, necessária –, do tratamento. E a mancar.

Porém, querendo entender o que estava acontecendo comigo, marquei uma consulta com a minha ortopedista. Ela solicitou vários exames, inclusive uma ressonância magnética dos dois pés. Uma viagem! Meia hora com cada um, isoladamente, dentro de um túnel, que eu chamo do tempo, para que fosse possível se ter um diagnóstico mais preciso. Enfim! Confirmada a lesão, eis que chega a hora de a médica recomendar o tratamento que ela supunha adequado ao meu caso: hidroginástica. Questionei. Afinal, se o gesso tinha sido posto no pé até o joelho com a função, digamos, de colar o ligamento que se rompeu, e não colou, porque foi retirado antes do tempo previsto, o ideal e o mais prático não seria, então, uma cirurgia, para costurar o rompido? A ortopedista, por sua vez, disse que essa também era uma alternativa, com a qual, contudo, ela não concordava, porque havia estudado comigo no ginásio, quando, há época, eu era atleta – eu jogava basquete, era titular do time do colégio, jogava na ala direita e, apesar da minha baixa estatura, cestinha, nos garantindo várias medalhas de ouro –, e eu deveria fazer algo mais esportivo para resolver o meu problema. Peguei a deixa e perguntei se eu poderia jogar tênis, que adoro: — Não! – ela respondeu. Por causa dos impactos nos pés provocados pelos saques. Ai, ai, ai!

O pior, entretanto, viria depois... Quando eu menos esperei, a ortopedista disse: — E basquete, nem pensar! Eu? Nem me atrevi a dizer mais nada, me resignando a minha condição de inválida. E o ódio, subindo no sangue? Da ortopedista e, sobretudo, do carnaval. Afinal, custava fazer a cirurgia? Em poucos minutos, eu ficaria boa. Sei não, mas, é por isso que sou adepta da homeopatia. Os médicos homeopatas entendem melhor os seus pacientes e fazem o que eles querem. Os alopatas, por sua vez, são intransigentes e antipáticos. Tanto que eu só os procuro para obter requisições para exames de laboratórios ou outros. Tratamento? Nada de alopatia – salvo, de vez em quando, um ansiolítico tarja preta (já conheci quatro marcas e nenhuma faz efeito) – um paradoxo, eu sei, mas, como sou humana, imperfeita, tenho esse direito – requisitado pelo meu neurologista, cuja função é a de tentar minorar a minha ansiedade e impulsividade ariana natural, com a qual, infelizmente, já nasci. Então? Sou do signo de Áries, fogo puro, inquieta, sempre odiando tédio e rotina. Como eu conseguiria, então, fazer hidroginástica? Os pés ficariam pulando de um lado para outro, se alternando em água fria, morna e quente. Depois, refazer a ordem. Não tenho paciência para isso! Como não tenho paciência para yoga nem tai chi chuan – zen demais para mim.

Finalizando... Ariana yang e prática – eu quero resolver o problema –, insisto na cirurgia (cerca de 4 minutos e recupero o meu tornozelo direito). Não passar meses em uma piscina, tendo de conviver com cloro. Assim, mudei de ortopedista. Um segundo, terceiro, quarto... E consegui o que eu queria. Afinal, se Ronaldinho, o jogador de futebol, fez a mesma cirurgia – no caso, parece que no joelho –, também tenho o mesmo direito. A gravidade maior, contudo, é que, há um mês e pouco, após uma tempestade que abalou Natal, onde, infelizmente, me encontro, e inundou a casa da minha mãe, toda perpassada por pergolados, eu derrapei. Certa hora, passando por uma das salas, descalça, eu pisei em uma poça d’água. Não voei mais porque não sou passarinho e a parede segurou os meus pés. Caso contrário, eu teria ido bater na casa da vizinha, no canil do cachorro. Resultado: bati com a bacia no chão. Os anos de basquete, entretanto, me foram úteis: sacrifiquei o meu cotovelo esquerdo para proteger a cabeça – reflexos de frações de segundos. Em minutos, o cotovelo sacrificado pareceu o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro. Mas, não demorou muito – sorte a minha –, o cotovelo voltou ao normal. Infelizmente, tive problemas de mobilidade. E tudo devido o impacto ocorrido com a minha bacia, que, coitada, recebeu uma pancada daquelas. Mas, fui atrás de ajuda.

Três outros ortopedistas. Dos quatro, ao todo, a primeira e os três últimos, apenas um prometeu a cirurgia. O único inconveniente, contudo, é que o ortopedista que concordou com a cirurgia fez-me uma chantagem para atender o meu pedido: terei, após a cirurgia, de fazer fisioterapia. Eu devia ter imaginado que não era gratuito ele aceitar, tão cordatamente, realizar uma intervenção cirúrgica em meu tornozelo... Mas, como dizem que, na vida, por tudo você paga um preço. Que o seja! Tanto que, para conseguir o que quero, já estou fazendo fisioterapia. E me lembro de 1989, quando houve uma greve geral no Brasil. Eu estava trabalhando como fotógrafa, cobrindo a manifestação que houve em Natal e, após registrar um gari apanhando da polícia, eu fui a perseguida e terminei sendo torturada com cassetetes, sendo, inclusive, o meu equipamento fotográfico confiscado pelos policiais e, claro, sem testemunhas da violência sofrida. Resultado: mais de um mês de fisioterapia nas pernas, onde fui atingida. Não deu em nada – sofro até hoje com dores nas pernas. Daí eu aconselhar que ninguém nunca acredite e confie em alguém que use máscara... O melhor é acreditar e confiar em alguém de cara limpa. Sem carnaval nenhum por trás, sem greve. No meu caso, os meus sonhos continuam os mesmos de 20 anos atrás. Infelizmente, os meus sonhos são utopia...

E penso em duas pessoas que sempre me chamaram a atenção nas questões da dor: Frida kahlo (1907 - 1954), a pintora mexicana, e Aleijadinho (1730 - 1814), o grande escultor brasileiro. A primeira, coitada, açoitada por uma barra de ferro, literalmente. Em uma postagem sobre ela, eu disse: “Aos dezoito anos, já superado os traumas deixados pela poliomielite, o destino reservava à Frida uma radical mudança em sua vida, selando a sua existência de dor e sofrimento. (...) Não pegando o ônibus de costume, ela e o namorado pegaram outro, que, sem que os passageiros esperassem, colidiu com um bonde. Frida ficou gravemente ferida. (...) O fato é que Frida teve a coluna vertebral, a clavícula, algumas costelas e a pélvis lesadas, além de fraturas em sua perna direita, do esmagamento do pé direito e do deslocamento do ombro esquerdo, bem como uma perfuração no abdômen, provocada por uma barra de ferro, que atravessou o útero e saiu pela vagina”. Foi uma dor pela vida inteira. Quanto a Aleijadinho, outro sofredor, que lapidava a si mesmo, sempre que sentia dor, podando pedaços do seu corpo com os mesmos instrumentos que utilizava para esculpir as suas belíssimas obras. Lapidava não. Mutilava-se. Ora esculpia um santo, ora, quando o pé doía, decepava um dos seus membros. Mais bizarro não poderia ser. Imaginem a dor!

Dor de osso não é fácil. Eu mesma, apesar dos problemas que já me acometeram, em função da minha profissão, tenho outra dor nas pernas – de fundo emocional, creio – que me acompanha desde os seis anos de idade. Estou com 43. É muito tempo sentindo dor sem diagnóstico – já passei por não sei quantos médicos e... nada. Às vezes, nem sei como consigo escrever. É um incômodo sempre presente. Porém, como já virou algo normal para mim, aprendi a conviver avec. Sei não, mas só quem sente dor sabe o que é viver com ela. Tem momentos, inclusive, que a dor é lancinante! E não tem médico ou remédio para minimizar o sofrimento. Por isso que digo que dor de osso é pior do que dor de amor. Afinal, já senti as duas, continuo sentindo, podendo, portanto, diferenciar uma da outra. O pior é que já fui atleta, embora hoje eu não me atreva. Os quatro ortopedistas me proibiram qualquer exercício físico. Vai entender! Como, então, vou me curar? Só com fisioterapia? Sim, porque até andar me dói as pernas, dói no osso. Daí entender perfeitamente as dores de Frida e as de Aleijadinho. Mártires de algo que nos acomete e nem sabemos o motivo exato. E fico a me perguntar se vou passar a vida inteira sentindo essa dor. Não deixo de fazer as minhas coisas, mas que incomoda, incomoda. Ai se eu fosse um aleijadinho da vida! Já tinha cortado pé, pernas... A dor é dose.


Nathalie Bernardo da Câmara


P.S.: Já dei continuidade a esta postagem, a mais lida, inclusive, do meu blog, desde q o criei em 2009. Desse modo, confira o leitor a sequência da mesma: http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2013/01/dor-de-osso-e-pior-do-que-dor-de-amor.html

5 comentários:

  1. Muito bom texto. Não sei quando o escreveu,mas eu estou com o joelho esquerdo fissurado por uma queda e estou justamente igual a vc num dos seus casos: o problema é no joelho, mas engessaram a perna inteira. Cãibras horríveis na batata da perna e um peso de 2.000 kgs do gesso.

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    1. A sequência The Grinder: http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2013/01/dor-de-osso-e-pior-do-que-dor-de-amor.html

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  2. Nossa, que bom ler esse texto! Eu sofri uma queda na escada do meu prédio e fraturei a tíbia e a fíbula. Hoje, faz 48 dias que estou com a perna engessada. Não tem sido fácil. As dores são insuportáveis. Acabei concordando com você. A dor do osso é muito pior que a dor de amor.

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  3. A sequência, Marco Castro: http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2013/01/dor-de-osso-e-pior-do-que-dor-de-amor.html

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  4. A sequência, já colocado o link ao final do texto: http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2013/01/dor-de-osso-e-pior-do-que-dor-de-amor.html

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