quinta-feira, 15 de setembro de 2011

NÃO É BRINQUEDO NÃO!


“Posso falar que fui educado por padres pedófilos. Era tudo meio escondido, mas eu via. Não entendia muito o que era aquilo...”.

José Wilker
Ator brasileiro fazendo alusão a sua infância em Juazeiro do Norte e em Recife

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“A pedofilia pode ser um crime passível de punição com a prisão perpetua...”.

Dilma Rousseff
Presidenta do Brasil, embora a declaração tenha sido dada quando ela ainda era candidata



Tudo indica que o meu maior desafeto – aqui se faz aqui se paga – pode ir parar no banco dos réus, ou seja, o papa Bento XVI – não se fala em outra coisa na mídia internacional. Um burburinho só! E isso porque nesta terça-feira 13, vítimas de padres pedófilos nos Estados Unidos acusaram o pontífice de “responsabilidade direta e superior por crimes contra a humanidade por estupro e outras violências sexuais cometidas em todo o mundo” por membros do clero espalhados pelo planeta. A denúncia (10 mil páginas de documentação) foi apresentada pela Survivors Network of those Abused by Priests - SNAP, com o apoio do Center for Constitutional Rights - CCR – ambas organizações norte-americanas –, ao Tribunal Penal Internacional - TPI, localizado em Haia, na Holanda, exigindo que dirigentes da Igreja Católica sejam julgados por perpetuarem um esquema de abusos e estupros, que podem ser considerados crimes contra a humanidade.

Segundo a denúncia, Bento XVI é acusado de “ter tolerado e ocultado sistematicamente os [referidos] crimes sexuais contra crianças em todo o mundo”. Para a advogada do CCR, a norte-americana Pamela Spees, é incomensurável avaliar o grau de sofrimento de milhares de vítimas de eclesiásticos por aliciamento de menores, crianças e adolescentes, decorrendo daí a violência sexual, o estupro, cujo crime, segundo ela, foi “escondido pelos líderes nos mais altos níveis do Vaticano”. Sei não, mas não tenho dúvidas de que a amplitude da gravidade dos crimes cometidos por aqueles que portam um exemplar da Bíblia e um terço em uma mão e um chocalho na outra é mais complexa do que as alas do labirinto que o Minotauro mantinha na ilha de Creta. E que nem o novelo de lã do mitológico Teseu seria capaz de minimizar um drama que nem em camarote de luxo pessoas de bom senso e de boa fé teriam estômago para assistir.

Afinal, em hipótese alguma a infância nem muito menos a adolescência devem ser violadas. Infelizmente, muitos homens de batina não pensam desse modo. Se eles pensam, mas, mesmo assim, cometem crimes tão hediondos, é porque padecem de um transtorno de perversão, em que o acometido tem um desejo incontrolável por fazer sexo com crianças. E adolescentes também, sendo tal transtorno de perversão mais conhecido como pedofilia. Ora! Que se tratem, então, mas não sem antes deixarem a batina. O problema, contudo, segundo a jornalista brasileira Aline Pinheiro, é que “a chance de o papa Bento XVI e qualquer outro dirigente católico ir parar em Haia é remota. O TPI só tem jurisdição sobre os crimes cometidos em países que ratificaram o Estatuto de Roma, que criou o tribunal. Não é o caso do Vaticano”. Bento XVI, por sua vez, se mostrou envergonhado, pediu desculpas e recomendou tolerância zero contra os pedófilos.

Em sua defesa – imagino –, o Papa pediu, ainda, que os bispos do mundo, que têm a responsabilidade primária sobre seus sacerdotes, cooperem com os tribunais criminais. E do quê adiantar cooperar? De acordo com a jornalista, “a corte [TPI] só pode julgar crimes cometidos nos outros países a pedido do Conselho de Segurança da [Organização das Nações Unidas] ONU, o que também não aconteceu”. O fato é que, além de Bento XVI, também foram acusados três cardeais: o secretário de Estado e segundo da Santa Sé, o italiano Tarcisio Bertone; o seu antecessor, Angelo Sodano, também italiano, e o atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o americano William Levada, que sucedeu Joseph Ratzinger no posto quando o alemão foi eleito Papa, convertendo-se em Bento XVI. Sem argumentos plausíveis – não há como defender um pedófilo –, o porta-voz do Vaticano, o padre italiano Federico Lombardi, nada declarou.

Quanta hipocrisia! E quem pensa que a SNAP acreditou no desejo de transparência e justiça manifestado por Bento XVI está redondamente enganado. Não acreditou e nem fez por onde moderar as acusações. Tanto que a idéia, agora, é fazer um panelaço as portas do Vaticano, denunciando, segundo o CCR, o “sistema longo e disseminado de violência sexual” mantido por membros da Igreja católica nos quatro cantos do planeta, apesar das constantes promessas – falsas – de que os predadores sexuais de batina seriam afastados e punidos. De novo, quanta hipocrisia! Afinal, quando do seu mandato de quase longos vinte e quatro anos (1981 - 2005) como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano, instituída pelo papa Paulo VI (1897-1978), em 1965, e considerada o quarto e atual estágio da Inquisição, ele foi, em 2001, explicitamente responsabilizado para supervisionar os casos de abusos sexuais e nada fez.




“O pior cego é aquele que não quer ver...”.

Dito popular



“À época, aliás – eu disse na postagem Trama macabra, publicada no dia 06 de junho de 2009 –, quando aceitou ser inquisidor, indicado para o cargo por João Paulo II (1920 - 2005), de quem foi mentor intelectual durante o seu pontificado, de 1978 a 2005, Bento XVI era o cardeal Joseph Ratzinger, então arcebispo de Munique, na Alemanha. Assim, não é de se estranhar muitas das suas posições enquanto Papa – o 8° de origem alemã e o 265° da História –, já que, desde o início do seu pontificado, tem dado provas de que continua pensando como um inquisidor. Agora, óbvio, com mais poder, mais ainda, inclusive, de quem ganha na mega-sena acumulada...”. E eu acrescento: “Pior, inclusive, do que as arbitrariedades que ele cometeu quando era inquisidor. Sim, porque, à época, dispondo de apenas um martelinho, usado quando aplicava uma sentença, acusava um herege de cada vez”. Hoje, é uma multidão de fiéis.

Sei não, mas, cá do meu cantinho, fico a imaginar que, desde que soube da notícia, que anda a circular mais do que pavio de pólvora, o teólogo brasileiro Leonardo Boff já deve ter acendido uma romaria de velas, exultando de satisfação. Afinal, como eu já disse na postagem Trama macabra, “em 1984, por exemplo, por causa do livro Igreja: Carisma e poder, que Boff publicou, em 1981, onde denuncia a opressão da mulher, a concentração do poder nas mãos do clero e defende os direitos humanos, ou seja, apenas constata fatos, foi intimado a comparecer diante do inquisidor Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – o termo Sagrada foi retirado em 1983 –, que decidiu abrir um processo contra o teólogo brasileiro por heresia, como se ainda estivéssemos em plena Idade Média. A verdade é que Ratzinger considerava a Teologia da Libertação o Cavalo de Tróia do marxismo, principalmente na América Latina”.

E eu prossigo em minha postagem: “Daí ele considerar imperativo combater o seu avanço. Por isso é que ele processou Boff e, em 1985, o condenou ao silêncio obsequioso: ‘Uma espécie de silêncio penitencial’, explicou o herege, que, dali para frente, ‘não podia falar, escrever, publicar, dar aulas’... Penalidades, aliás, extremamente paradoxais, sobretudo para quem as aplicou, já que, um dia, talvez sob efeito de alguns cálices de vinho – bento, é claro! –, Ratzinger chegou a dizer que ‘quando o respeito é violado, algo de essencial se perde’. O tal do silêncio obsequioso, contudo, só foi suspenso graças à pressão mundial e ao arcebispo brasileiro dom Paulo Evaristo Arns, que, em encontro com Ratzinger, teria dito: — Sua Santidade, o senhor fez com um aluno meu [Boff] aquilo que os militares do Brasil fazem, ou seja, fechar a boca, cortar a língua...”.

“Sem saída, o cardeal tentou se defender e, constrangido, retrucou: — Eu, como os militares, torturadores? Absolutamente! Liberem o Boff!”.

“A ascendência de Arns sobre Ratzinger, por sua vez, deveu-se ao fato da sua reputada conduta moral e política”. Bom! No artigo As Bruxas de Salem, postado neste blog no dia 23 de fevereiro de 2009, eu disse: “O curioso é que, ‘interrogado durante horas no Palácio do Santo Ofício, onde, em tempos remotos, se praticavam torturas, Boff sentou-se na mesma cadeira onde, em outras circunstâncias, sentaram-se os hereges italianos Giordano Bruno (1548 - 1600) e Galileu Galilei (1564 - 1642)’. Segundo Boff, ‘os métodos da atual Inquisição mudaram. Hoje, se tortura apenas a psique do acusado, não mais o seu corpo’... Além do mais, ‘depois do estabelecimento da infalibilidade do papa – esclarece o também teólogo e escritor brasileiro Frei Betto –, nenhum réu pode ter direito a defesa, porque não se pode partir do princípio de que a autoridade eclesiástica esteja equivocada, sendo o único tribunal do mundo onde isso acontece’”.

“Não se pode nem pedir perdão! Advogado? Só se for o do Diabo e, se brincar, o processo dos julgamentos dos inquisidores seriam semelhante aos dos da Rainha de Copas do país das maravilhas da fictícia Alice. Criado pelo romancista inglês Lewis Carroll (1832 - 1898), Alice no País das Maravilhas foi publicado em 1865, mas não deixa de ser atual. A personagem Rainha de Copas, por exemplo, tem como lazer ordenar a decapitação de quem a desagrada. Só que, detalhe, a execução da sentença vem antes do veredicto, ou seja, primeiro corta-se a cabeça do suposto infrator para depois julgá-lo. Porém, qualquer semelhança com a história do embate de Boff e Ratzinger é mera coincidência. O fato é que, o tempo passou e, durante a Eco-92, no Rio de Janeiro, Boff, mais uma vez, foi repreendido por Ratzinger, que voltou a lhe impor o silêncio obsequioso. Novamente punido, o teólogo estava impedido de falar, escrever, publicar e dar aulas”.

Isso sem falar que Boff teria “de deixar o Brasil e a América Latina, devendo escolher um convento alhures, onde ficaria encerrado, sem nem mesmo pensar! Desta vez, entretanto, ele se recusou a obedecer o Vaticano e, em sinal de protesto, disse que preferia renunciar ao sacerdócio. Pensam que adiantou alguma coisa? Nada! Ratzinger permaneceu irredutível em sua decisão. Sem alternativa, Boff renunciou. Desde então, mudou de trincheira, mas não da luta, e vem se considerando ‘um cigano teológico’, atiçando as fogueiras da Inquisição, já que, para ele, ‘a Igreja mente, é corrupta, cruel e sem piedade!’. (...) Questionou, inclusive, a sua indicação e eleição para o mais alto cargo da hierarquia da Igreja católica, que é o de papa: ‘Até hoje é um mistério, pois [Ratzinger] é uma figura de desunião, de polêmica’”. Enfim! O mundo clamou por justiça, que, às vezes, tarda. E costuma falhar. Porém, desta vez, todos esperam que não falhe.

Nathalie Bernardo da Câmara



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