MUNDO ANIMAL
OU A GALINHA DOS OVOS DE OURO*
“O mal da ganância é não ter freios...”.
Ediel
Jornalista, cartunista, humorista, ilustrador, publicitário e roteirista brasileiro
Em um tempo não muito longínquo, um cara quase foi parar na delegacia por atropelar uma galinha. É verdade! E tudo começou quando a dona da galinha dos ovos de ouro – penso que posso cognominá-la assim, visto que cada ovo que a galinha botava era vendido por cinquenta centavos – resolveu vender a dita cuja. Papo vai, papo vem, ela vendeu a coitada da galinha por insignificantes dez reais, mas não a entregou de imediato.
A galinha, por sua vez, percebendo que estava com os seus dias contados, decidiu aproveitar. No seu último dia de liberdade, antes de ser torrada ou qualquer coisa parecida, viu que não tinha nada a perder e fugiu do galinheiro, pulando o cercado da dona e caindo na farra, ou melhor, na curva da estrada. Foi quando tudo aconteceu.
Dando de cara com um bugre, não o índio, arredio e desconfiado, habitante dos pampas, considerando que esta história aconteceu em Baía Formosa, litoral do Rio Grande do Norte, mas sim o veículo motorizado, apto para percorrer e transfigurar as dunas, mudando o seu curso, a galinha não teve escapatória. Ao invés do facão, foi parar nas malhas de um pneu.
A dona da galinha, esperta que era, não queria perder o negócio feito anteriormente; à galinha, já vendida, e agora sem vida, nenhuma opção. Foi aí que a dona da galinha teve uma idéia. Abordou o motorista do carro e cobrou pela galinha. Quis ser indenizada por perdas e danos.
O rapaz, que nem da cidade era e estranhava aqueles hábitos de deixar bicho solto no meio da rua, foi taxativo ao dizer que não tinha porque pagar por uma galinha atropelada fora do galinheiro e foi embora. Sem saber o que fazer, já que a galinha tinha sido prometida à panela da vizinha, a tal mulher procurou uma amiga e pediu que ela depenasse a mesma.
Para a dona da galinha, depois que esta recebesse um trato, ninguém iria perceber que a pobre ave havia encerrado a sua breve existência nas linhas do pneu de um carro. Afinal, ninguém precisava saber como a galinha foi realmente morta, até porque a pancada tinha sido no pescoço...
Vã ilusão, coitada, já que, em uma cidade pequena, todos sabem o que você faz, quanto mais do destino que levou a galinha que a vizinha comprara. Mesmo assim, ela estava mais do que disposta a ocultar a verdade, entregando a galinha, já tratada, a desavisada vizinha, que estava viajando e ainda não sabia de nada. Porém, qual não foi a surpresa da dona da galinha ao ouvir da amiga um sonoro: — Não conte comigo!
Sentindo-se moralmente afrontada e duplamente desafiada, a dona da galinha pôs a galinha – morta, evidentemente – debaixo do braço e se mandou, atrás do infeliz motorista, alegando que iria prestar queixas ao delegado por ele ter atropelado a sua galinha.
O rapaz, acuado pelas pressões, não teve alternativa a não ser pagar pela galinha que atropelou. Mas, detalhe: exigiu ficar com a prova do crime. Quiçá, para dissipar eventuais suspeitas e evitar novas denúncias, além de garantir um lauto almoço, fruto das suas ações do dia, independente do meio para obtê-lo.
Assim, a dona da galinha não teve prejuízo. Ao contrário! Além dos dez reais iniciais, ela ainda ganhou mais doze reais. Já a vizinha que havia comprado a galinha... Fatigada de tanto ser explorada pela dona da galinha atropelada, a vizinha foi solidária e se sensibilizou pelo acontecido, não exigindo de volta os seus dez reais, além de prometer que continuaria comprando os costumeiros ovos caipira – R$ 1,0 cada – e, eventualmente, uma galinha.
Curiosamente, na região do Seridó, mais precisamente em Acari, também no Rio Grande do Norte, temos não somente um exemplo de limpeza urbana, visto que o município é considerado o mais limpo do Brasil, mas a oportunidade de uma aula de cidadania, já que lá, por mais incrível que pareça, a Prefeitura coloca atrás das grades não o motorista que de repente atropela uma galinha ou um bode qualquer, mas o animal que está solto na rua, apenas podendo ser liberado sob fiança.
Moral da história: espertezas à parte, vinte e dois reais pode até parecer pouco, mas é muita coisa em uma terra onde nem quem tem olho é rei...
* Escrito originalmente em 2000.
Nathalie Bernardo da Câmara
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