A MATA ATLÂNTICA PEDE SOCORRO IV
“O Atlas da Mata Atlântica... Ele nasceu do nosso sentido de urgência. Havia um questionamento na época: o que é a Mata Atlântica? Onde começa? Onde termina? Resolvemos então criar um retrato de corpo inteiro dela, dizer como estava a sua situação. Então foi um enorme impacto, quando percebemos claramente: "Ah, tem 8,8% da floresta só!...”
Clayton Ferreira Lino
Um dos idealizadores do Atlas da Mata Atlântica, conselheiro da Fundação e presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
No Ano Internacional das Florestas, este blog aproveita o ensejo para publicar na íntegra a cartilha Mata Atlântica: essencial para a vida, produzida pelo Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade. Uma organização não governamental – ONG – ambientalista sem fins lucrativos, com sede em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, o Instituto foi legalmente constituído no dia 05 de abril de 2003 e está incluído no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas - CNEA pela portaria 154 de 23/06/04 do Ministério do Meio Ambiente, publicada no Diário Oficial da União de 24/06/04, Seção 1, página 108, e tem como missão promover educação ambiental para a defesa dos remanescentes da Mata Atlântica, no intuito de conservar a sua biodiversidade e os seus recursos hídricos, enquanto os seus projetos “visam despertar o interesse da sociedade pela conservação da Mata Atlântica, que abriga uma das mais ricas biodiversidades de fauna e flora do planeta”, garantindo, ainda, abastecimento de água para quem dela necessita. A cartilha, por sua vez, será divulgada em seis partes, ou melhor, em seis postagens: Apresentação; Introdução; Caracterização da Mata Atlântica; Ecossistemas da Mata Atlântica; Interação dos animais com a floresta e Ações do homem contra a Mata Atlântica, incluindo a bibliografia consultada, ressaltando, contudo, que as ilustrações de todos os itens mencionados foram suprimidas por uma questão de espaço.
Nathalie Bernardo da Câmara
3. Ecossistemas da Mata Atlântica
A temperatura, a freqüência das chuvas, a altitude, a proximidade do oceano e a composição do solo determinam as variações de vegetação que definem os diferentes ecossistemas que constituem a Mata Atlântica.
Certos animais têm adaptações para viverem em apenas um desses ecossistemas, isto é, num ambiente com determinadas características. A diversidade biológica (biodiversidade) de todos os ecossistemas ou em apenas um deles é considerável.
Esses ecossistemas recebem denominações como: Floresta Ombrófila Densa, Floresta de Araucária ou Ombrófila mista, Campos de Altitude, Restingas e Manguezais. Na região norte de Santa Catarina ocorrem todos estes ecossistemas. Como há vários tipos de ecossistemas e subdivisões desses, as denominações podem variar de um texto para outro.
3.1 FLORESTA OMBRÓFILA DENSA
Floresta grandiosa e heterogênea, de solo bem drenado e com grande fertilidade, é caracterizada por apresentar árvores de folhas largas, sempre-verdes, de longa duração e mecanismos adaptados para resistir tanto a períodos de calor extremo quanto de muita umidade. Sua vegetação apresenta altura média de 15 metros, mas as grandes árvores chegam a atingir até 40 metros. O grande número de cipós, bromélias, orquídeas e outras epífitas (plantas aéreas) que se hospedam nas imponentes árvores dão a esta floresta um caráter tipicamente tropical.
Uma grande diversidade de espécies de plantas é encontrada na Floresta Ombrófila Densa, entre elas destacam-se as canelas, o palmiteiro, as figueiras, o coqueiro-jerivá etc.
Diversas espécies de invertebrados, anfíbios, répteis, aves e mamíferos são encontrados neste ecossistema.
A principal ameaça da Floresta Ombrófila Densa é o desmatamento que visa transformar as áreas remanescentes em espaço para a agricultura, a agropecuária, reflorestamentos e loteamentos.
3.2 FLORESTA OMBRÓFILA MISTA OU MATA DE ARAUCÁRIA
Outra formação florestal da Mata Atlântica é a Floresta Ombrófila Mista ou Mata de Araucária, localizada principalmente na região Sul. O clima é subtropical, com chuvas regulares o ano todo, e temperaturas relativamente baixas.
Nesta floresta predomina uma espécie de árvore, o pinheiro-do-Paraná (Araucaria angustifólia), conhecida também por araucária, que pode atingir até 50 metros de altura. Outros exemplos de árvores que ocorrem neste ecossistema são: imbuia, erva-mate, bracatinga, gavirova (ou gabirova), tarumã, pessegueiro-bravo, cedro, vassourão e a canela-sassafrás.
Quanto a fauna da Floresta Ombrófila Mista, podem ser encontrados roedores (ratos, cutias e pacas), aves ameaçadas de extinção como a gralha-azul e o papagaio-de-peito-rocho, além de inúmeros insetos. A semente da araucária, o pinhão, é muito apreciada pela fauna em geral e se constitui numa fonte de alimento essencial para o seu sustento.
A ameaça de extinção de algumas espécies desse ecossistema, como a gralha-azul e o papagaio-de-peito-rocho, pode ser atribuída à escassez do pinhão. Para agravar a situação, as pessoas vêm coletando o pinhão para comércio, já que é muito apreciado também pelos humanos. Quando as pinhas - que agregam os pinhões, que são os fruto da araucária - estão ainda verdes são furtadas das áreas de preservação, não deixando nada para a fauna que acaba perecendo de fome.
Infelizmente, esse ecossistema está ameaçado de extinção, devido à exploração da madeira e pela substituição de sua área de domínio pela agricultura e reflorestamentos de pinus e eucalipto. Em Santa Catarina, restam menos de 1% do ecossistema original e a destruição continua intensa.
Já a araucária é ainda bastante comum de ser observada nas propriedades, devido ao fato das pessoas gostarem muito do pinhão. A abundância das sementes produzidas que germinam facilmente, colabora muito para a perpetuação da espécie. Além disso, em área aberta, num solo de boa fertilidade, em apenas 13 anos uma araucária já produz sementes (pinhões).
A araucária é uma árvore que só se desenvolve bem em áreas abertas, ou seja, é uma espécie pioneira (isto é, a primeira a desenvolver em áreas desmatadas). Por isso, é difícil sua regeneração numa floresta onde ocorreu sua extração nas últimas décadas, o que causa um grave impacto na fauna, pois a oferta de pinhão durante um certo período do ano é crucial para a sobrevivência de muitas espécies. Os pinhões cobrem uma lacuna na oferta de alimento na floresta. Evidentemente, outras espécies de árvores são igualmente importantes.
O fato de ser uma árvore apreciada pelo homem, este acaba provocando seu adensamento (artificial) em certas regiões, o que acaba não contribuindo muito para a conservação da biodiversidade, para a qual seria necessária uma floresta com uma maior diversidade de espécies de árvores, arbustos, cipós etc. É muito comum os proprietários suprimir todas as outras espécies de árvores de grande porte e as espécies de vegetação do sub-bosque, o que aniquila com quase toda a fauna.
3.3 CAMPOS DE ALTITUDE
No alto de serras, em geral acima de 900m, ocorrem formações conhecidas como Campos de Altitude. Na serra do Mar da região norte de Santa Catarina, no município de Garuva principalmente, temos a ocorrência deste ecossistema.
A camada do solo é bastante rasa e pedregosa de modo que somente plantas de pequeno porte conseguem se desenvolver, vegetação rasteira em geral, predominando as gramíneas, formando extensos campos naturais. Já entre as montanhas, onde a camada de solo é mais espessa e mais úmida devido ao acúmulo das águas das chuvas que escoa das partes mais altas (formando as nascentes), ocorrem áreas com floresta constituída por árvores de grande porte. Essa mata recebe o nome de floresta de galeria. Esses locais oferecem condições para abrigar uma diversificada fauna de mamíferos e aves. Nascentes de rios importantes, como o rio Quiriri (afluente do rio Cubatão) que abastece Joinville, localizam-se nos Campos de Altitude.
Após as chuvas, as águas escoam rapidamente para as partes mais baixas deixando o solo (que já é bastante pedregoso, de fácil drenagem portanto) sempre seco. Neste ambiente seco, de solo bem drenado, combinado com os ventos fortes e constantes as plantas desenvolveram adaptações especiais. Uma dessas adaptações são tubérculos, conforme mostra a foto abaixo.
As condições adversas proporcionaram o surgimento de muitas espécies endêmicas (exclusivas) nesse ecossistema, sobretudo de flora. É impressionante a beleza e variedade das flores encontradas, que possuem valor ornamental indescritível.
Diversos tipos de liquens são encontrados sobre as rochas, além de bromélias, orquídeas e samambaias e muitas outras espécies de plantas. Observa-se que o principal mecanismo de dispersão das sementes das plantas rasteiras que ocorrem nos campos de altitude é o vento, que é sempre intenso e constante o ano inteiro.
Esse ecossistema é muito frágil. O solo é de fácil erosão. Ao se remover a vegetação rasteira surgem grandes voçorocas (fendas), expondo as rochas. Uma simples abertura de estrada dá início a um processo de erosão incontrolável.
Ainda, hoje, estes campos naturais vêm sendo utilizados para criação de gado, cuja degradação causa um enorme prejuízo para a sociedade (destruição do patrimônio natural, das nascentes e rios que afetam a produção de água que abastecem grandes cidades).
Outro gravíssimo problema são as queimadas criminosas para a substituição da vegetação nativa por pastagens e reflorestamento de pinus. As queimadas atingem até mesmo as áreas protegidas por proprietários particulares. Aliás, essas áreas protegidas são também afetadas pelas plantas invasoras como o próprio pinus que está se tornando um problema muito sério e sua remoção envolve custos elevados e nem sempre é simples, sobretudo em áreas de escarpas (área com alta declividade).
Além de todos esses problemas há ainda a prática de mineração para exploração de caulim (utilizado na indústria de cerâmica), que causa danos irreversíveis. O caulim é lavado no próprio local de extração e os tanques de contenção freqüentemente se rompem contaminando os rios, exterminando com toda a fauna aquática.
3.4 RESTINGA
A Restinga é um ecossistema da Mata Atlântica que ocorre na região litorânea. É o mais ameaçado, restando pouquíssimas áreas, por causa da exploração imobiliária para casas de veraneio. Apresenta a vegetação com três tipos gradativos de crescimento.
Junto à praia, em áreas sujeitas a ação direta dos ventos, marés, chuvas e ondas, existe um tipo de vegetação que se forma para proteger as dunas, chamada restinga de litoral. Na restinga de litoral poucas plantas conseguem se desenvolver, apenas vegetação rasteira, alguns capins e cipós que são adaptados ao sal e a areia lançada pelo vento.
Caminhando em direção ao interior, é possível observar a vegetação arbustiva da restinga, com folhas também adaptadas aos fatores ambientais, com caules duros e retorcidos e raízes com grande poder de fixação no solo arenoso.
Subsequente a vegetação arbustiva, desenvolve-se a restinga de interior, também conhecida como floresta de Restinga. A restinga de interior é composta por vegetação mista, nela podem ser encontradas árvores, arbustos, trepadeiras, epífitas, samambaias e muitas bromélias, que se desenvolvem no chão, colonizando extensas áreas. O olandi (Callophillum brasiliensis) se destaca entre muitas espécies de árvores encontradas na floresta de Restinga.
O relevo da restinga é plano, seus rios são lentos e tortuosos. Suas águas apresentam característica única, com coloração avermelhada e pH ácido, devido ao excesso de matéria orgânica morta. Em determinada época do ano, em conseqüência das chuvas mais intensas e freqüentes, a restinga de interior fica inundada.
A fauna de restinga apresenta grande diversidade de espécies, desde microrganismos até mamíferos de grande porte. Pode-se destacar a presença de uma espécie de fungo luminescente, encontrado somente na floresta de Restinga. Anfíbios, como a perereca-de-capacete e o sapinho- de-restinga dependem exclusivamente deste hábitat para sobreviver.
Devido à exploração imobiliária, agropecuária, agricultura, mineração (extração de areia para indústria de vidros e construção civil) e os reflorestamentos de pinus esse ecossistema vem sendo destruído a cada ano que passa, tornando-se um dos mais ameaçados.
3.5 MANGUEZAIS
Ecossistema característico de regiões tropicais, constantemente exposto ao regime de marés, dominado por espécies típicas, que apresentam uma série de adaptações às condições existentes neste ambiente. O litoral norte de Santa Catarina, sobretudo a baía da Babitonga, em Joinville e Araquari, é rico em manguezais. Áreas com mangues também ocorrem na foz do rio Itapocu.
A vegetação desse ecossistema protege a zona costeira das perturbações atmosféricas bem como, fixa a terra impedindo assim o processo de erosão. As raízes dos mangues funcionam como filtros na retenção de sedimentos.
Os manguezais são conhecidos como berçários, porque existe uma série de organismos (peixes, crustáceos etc.) que se reproduzem nestes locais. Neles, os filhotes também são criados, como no caso de camarões, algumas espécies de peixes e aves. Entre as espécies de aves estão os colhereiros, os socós e os martins-pescadores.
Ao contrário das outras florestas, nos manguezais não há muita riqueza de espécies, porém são destacados pela grande abundância de populações que neles vivem.
Entre as espécies da fauna nativa que habitam os manguezais destacam-se:
Caranguejos - vivem em enormes populações nos fundos lodosos, são mais ativos durante a maré baixa;
Ostras, cracas e mexilhões - podem ser encontrados em troncos submersos, alimentam-se de partículas suspensas na água;
Camarões e peixes - penetram nos manguezais também durante a maré alta e na fase jovem dependem muito das fontes alimentares que ali são encontradas;
Aves comedoras de peixes e invertebrados marinhos - costumam alimentar-se durante a maré baixa, quando os fundos lodosos ficam expostos;
Mamíferos - podem ser citados o mão-pelada e o quati que se alimentam de caranguejos e a lontra que é uma hábil pescadora.
Os manguezais vêm sendo degradados diariamente pela ação e ocupação do homem, através do despejo de esgotos sanitários, industriais e agrícolas, bem como através da construção de rodovias e a exploração imobiliária.
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