quinta-feira, 8 de setembro de 2011

ESTRELA, MEU NOME


“Quero o meu ambiente por inteiro, não pela metade...”.

Nathalie Bernardo da Câmara
Jornalista, fotógrafa e escritora brasileira



Filha da Mãe Natureza, eu moro em Baía Formosa, no Litoral Sul do Rio Grande do Norte, e sou o maior dos remanescentes de Mata Atlântica do Estado, aparentemente protegida por um documento que chamam de portaria (nº 460/90), que, desde então, me tombou, me transformando em um Patrimônio Histórico e Cultural, aparentemente protegido no papel, na lei, mas, desprotegida de fato: chamam-me de pedaço... O que significa que já fui um todo. É verdade. Um dia já fui bem maior, mas, depois da minha descoberta pelos homens brancos, há mais de 500 anos, venho sofrendo perdas e danos irreversíveis.

No início, há muito tempo, levaram pedaços de mim. Milhares. O que eles chamavam e chamam, ainda, de pau-brasil (Caesalpinia echinata) e demais madeiras de lei. Mas, era o meu corpo... Construíam mesas, cadeiras, casas, igrejas, barcos, imóveis e móveis diversos. Edificações várias. No entanto, a cada extração, membros do meu corpo eram amputados. Com o passar do tempo, fui diminuindo de tamanho. Hoje, tenho apenas 3% do que já fui um dia. Sim, me devastaram quase que totalmente, apenas porque quiseram ocupar o meu solo com o que eles chamam de monocultura da cana de açúcar para a produção de álcool. Uma concentração fundiária, dizem, explorada por um só dono.

Além do mais, continuam usando a minha madeira para a construção de casas, cercados, barracos e barcos, algumas das atividades extrativistas que continuam, apesar de eu estar protegida por lei, embora eu entenda aqueles que precisam de lenha porque não têm fogão nem gás de cozinha para fazerem fogo e preparar a comida.

Corro, ainda, inúmeros riscos de desmatamentos e incêndios, as queimadas, que alteram gradualmente as minhas dimensões e contornos, me destruindo e afugentando a fauna existente, comprometendo a minha sobrevivência, enquanto o extrativismo compromete a qualidade da minha saúde, o meu ecossistema, que o torna biologicamente simplificado.

Sim, a maioria das espécies para quem sempre dei abrigo não foi e nem está sendo preservada pelo homem. Ao contrário, tem se tornado rara ou foi extinta pelo extrativismo. Por exemplo, mamíferos como a onça vermelha, maracajá-açu, veado mateiro, ouriço cocheiro e o bugio não existem mais. Além do mais, ainda caçam os animais silvestres que me fazem companhia. Assim, brinco agora com o macaco Guariba, que me distrai com as suas brincadeiras, mas que também se encontra ameaçado... Respirar? O clima da região é agradável, tropical úmido, mas tenho respirado com dificuldades e, quanto menos eu respiro, menos você respira...

Em contrapartida, já ouvi falar do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, da Coordenadoria do Meio Ambiente e de várias instituições que fiscalizam todas essas agressões ao meio ambiente, ao meu ambiente. E eu quero acreditar que isso é possível, porque quero sobreviver; porque, embora um pedaço, eu garanto, ainda, oxigênio para o planeta; porque, como você, também sou filha da Mãe Natureza. Chamo-me Estrela. Preserve-me! Sim, porque eu também posso ajudar as pessoas de outra forma que não seja a exploração predatória.

Por exemplo, a exploração do ecoturismo, seja ele de fronteira ou de vizinhança, infra-regional, nacional ou doméstico e internacional como uma importante alternativa de desenvolvimento econômico sustentável, onde os recursos naturais são utilizados sem comprometer a sua capacidade de renovação e conservação.

É, eu entendo de ecologia e sei que tem muita gente preocupada comigo, mas também tem muita gente com fome e sem trabalho. E eu posso ajudar essas pessoas a terem um emprego e, conseqüentemente, comprarem fogão e gás para cozinhar a sua comida sem precisar da minha madeira para fazer lenha para o fogo. Como? Primeiro eu preciso de um plano de manejo, de um plano de fiscalização para poder ser transformada numa RPPN, ou seja, uma Reserva Particular de Patrimônio Natural, para a qual existe uma legislação federal específica, e pela qual os seus proprietários recebem o incentivo de isenção do Imposto Territorial Rural - ITR, já que, curiosamente, sou propriedade privada...

Enquanto reserva natural, outro mecanismo de proteção, eu serei uma Unidade de Conservação. Daí, após a definição de um plano de educação ambiental, poderiam ser organizados passeios ecológicos e educativos, acompanhados de alguém da região, transformado em guia, que me conhecesse com a palma da mão e que pudesse conduzir os visitantes nas várias trilhas que ofereço como caminho não à depredação, mas à descoberta e ao conhecimento do meu Patrimônio Natural, o qual todos precisariam cuidar.

Idéias? Passeios para a observação da minha fauna e flora; observação de aves; safari fotográfico regulamentado etc, já que possuo ainda uma área de 2.365 hectares, com mais de 15 lagoas e vários outros atrativos. Sim, sou a ilustração viva de uma educação ambiental onde, ao mesmo tempo, cada um seria, o aluno e o professor. Pois é! O ecoturismo valoriza os recursos naturais do meio ambiente, gera empregos e é fonte de renda para a comunidade, promovendo uma qualidade de vida melhor para todos.

Vamos tentar?

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Este texto, uma carta aberta de minha autoria, publicado originalmente no jornal do Instituto de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte, hoje IDEMA, na edição de número 2, de março e abril de 1998, se somando aos anseios de todos aqueles que, há décadas, se engajam no processo de transformação da Mata Estrela numa Unidade de Conservação. Sim, a única alternativa para salvaguardar um diversificado ecossistema devastado, brutalmente ameaçado pelo extrativismo predatório da sua Fauna e Flora.

A boa notícia, portanto, é a de que em breve a Mata Estrela será, enfim, e definitivamente, reconhecida como uma Reserva Particular de Patrimônio Natural [já o foi], a qual, apesar de privada, deverá respeitar os aspectos legais do Decreto Federal n. 1.922, de 5 de junho de 1996, que dispõe sobre reconhecimento das RPPNs, fazendo, de fato, sair do papel uma conquista que é de todos. Todavia, é preciso que a comunidade também participe de todo esse processo e se conscientize da importância que é fazer da Mata Estrela uma Reserva Natural, cobrando das autoridades competentes a utilização racional e ecologicamente correta dos seus recursos naturais, sem abusos, não violando as normas de preservação ambiental.


Obs.: A ilustração e a epígrafe não constaram do texto original. Foram escolhas minhas para esta postagem, a qual, inclusive, foi revisada. Uma homenagem ao Ano Internacional das Florestas (2011).

Nathalie



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