quarta-feira, 3 de junho de 2009

A FEMINILIDADE DO BARRO


À Salete Bernardo, minha mãe


“Cultura popular: um produto do povo...”.
Roseane Martins, jornalista brasileira



Sobrado*. Um cantinho quase esquecido do Rio Grande do Norte... O povoado, contudo, é lembrado por sua cerâmica – ofício predominantemente feminino, transmitido, de geração em geração, pelas mulheres, que, através do barro, ou argila, garantem a sobrevivência de muitas das suas famílias. O barro é, portanto, alimento, brotando, fartamente, do solo. Sem sobras. Sem excessos.



O barro é, igualmente, luz. No caso, iluminando e guiando as mãos das ceramistas de Sobrado. E é a partir de tão habilidosas e exímias mãos que desabrocham peças únicas – característica do artesanato –, sejam objetos decorativos ou utilitários: luminárias, mandalas, talhas, potes, moringas, panelas de barro – barro esse que, mesmo úmido, arde no calor do agreste...



Ao mesmo tempo, a sobrevivência dos moradores de Sobrado é garantida, também, pela agricultura de subsistência, capitaneada, no roçado, principalmente pelos homens, embora as mulheres não hesitem em pegar na enxada. De igual modo, os homens participam do processo de produção da cerâmica, seja colhendo o barro ou ajudando a queimar as peças confeccionadas, bem como da sua comercialização.



Porém, se as mulheres de Sobrado tivessem o seu sustento e o da sua família permanentemente garantido, seja esse sustento fruto da terra ou de ações comunitárias ou, ainda, de políticas governamentais, elas poderiam se dedicar com mais devoção ao seu ofício, a sua arte. Seria como ter a garantia de grãos que, por um longo período, poderiam provê-las, propiciando, assim, mais tempo ocioso para que elas criassem com mais liberdade.



E criar a partir de uma matéria-prima generosa, feminina, onde as mãos das artesãs modelam formas as mais variadas, tenham elas um sentido útil ou belo. Ou os dois. Porém, o mais importante do processo de produção da cerâmica das mulheres de Sobrado é, aliando dom e técnica, o prazer de criar, refletindo, através da arte, impregnada de ludicidade e funções terapêuticas, a luz que emana da terra.




*O povoado de Sobrado pertence ao município de Monte Alegre, localizado a 51 km de Natal, no Rio Grande do Norte.






Nathalie Bernardo da Câmara
Do barro...

Um comentário:

  1. Tenho inveja (no bom sentido) de pessoas que são dotadas da sensibilidade de trabalhar com o barro ou arjila, transformando-os em figuras que simbolizam pessoas, animais e tudo o mais. Quando olho para os trabalhos da minha amiga Iaris Cortes, fico emocionado com que ela é capaz de reproduzir com o barro. Hoje ela mantém um atelier na sua casa em Brasília, cercada por árvores. Um lugar muito privilegiado.
    Cristina Bernard

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