ABERTA A TEMPORADA CIRCENSE III
Tiririca:
um palhaço sendo feito de palhaço
“Os verdadeiros analfabetos
são aqueles que aprenderam a ler e não lêem...”.
Mário Quintana (1906 - 1994)
Poeta brasileiro
No post anterior a este, intitulado Vinde a mim os holofotes..., fiz uma alusão ao político analfabeto, que, inclusive – diga-se de passagem –, é pior do que o analfabeto que não sabe ler nem escrever. Este, muitas vezes, apesar da sua limitação, detém uma sabedoria que muitos PhD da vida desconhecem. O fato é que, até estas eleições, o tema analfabetismo nunca tinha vindo à tona de maneira tão polêmica como o foi quando a Justiça eleitoral recebeu a denúncia de que o mais votado candidato a deputado federal do país – no caso, pelo Estado de São Paulo –, eleito com 1.353.820 de votos válidos (6,35%) pela coligação PRB/PT/PR/PC do B/PT do B, ou seja, o cearense Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como o palhaço Tiririca, parece ser analfabeto, tudo indicando que ele só sabe assinar o nome, embora a suspeita ainda não tenha sido confirmada. Caso o seja, Tiririca não poderá exercer o seu mandato.
Curiosa a legislação brasileira... O voto de um analfabeto, o que não sabe ler nem escrever, é aceito na urna, computado na apuração e, muitas vezes, elege um político, embora a esse mesmo analfabeto seja negado o direito de se candidatar a cargos eletivos, enquanto o político analfabeto, aquele que ignora e afronta as leis, o possa. Um paradoxo! No caso de Tiririca, segundo o jornal Correio Braziliense desta quarta-feira, 6, o humorista “tem até a próxima quarta-feira para provar que é o dono da caligrafia escrita no documento que pede o registro de candidatura protocolado no Tribunal Regional Eleitoral paulista (TRE-SP). Se o documento foi manuscrito por terceiros, o palhaço terá a candidatura impugnada e ele não será diplomado”. Para o promotor Maurício Ribeiro Lopes, autor da denúncia, a decisão depende dos resultados da perícia pelo Instituto de Criminalística de São Paulo. Só que o pior é que Tiririca “ainda poderá pegar até cinco anos de prisão por falsidade ideológica”, diz o promotor.
Piada:
O político analfabeto pode ser elegível,
mas o eleitor analfabeto não,
embora, por lei, ele seja OBRIGADO a votar.
Para isso, exigem a sua digital no título eleitoral.
Em defesa do humorista, ainda segundo o Correio, especialistas da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Para eles, não é impossível que alguém aprenda a ler e a escrever em sete dias, mas tudo depende do histórico desse alguém. Pensa assim a professora Maria Lúcia Castanheira. Em sua opinião, não se concebe, hoje, que uma pessoa viva em um centro urbano e não tenha noção de escrita e de leitura. No caso de Tiririca, “ele pode fazer uma imersão e aprender a ler e a escrever, considerando que é uma pessoa adulta e que se inseriu no mercado de trabalho”. A educadora Dayse Cunha, por sua vez, não acredita que Tiririca “seja analfabeto de tudo”. Para ela, o problema posto deve ser avaliado do ponto de vista dos direitos políticos. E tem razão. Tanto que, respaldada pelo bom senso, questiona: “Nós lutamos anos para que os analfabetos pudessem votar. Por que eles também não podem ser eleitos?”.
Igualmente solidária ao drama de Tiririca, a também educadora Gladys Rocha, explica que, “dependendo do seu nível de alfabetização, é possível que ele seja treinado, por exemplo, para escrever uma carta no prazo estipulado pela Justiça Eleitoral”. Pelo sim, pelo não, segundo o Correio, Tiririca está recebendo aulas de leitura em tempo integral, pagas pelo seu partido político, o Partido da República - PR, e que, na tentativa de resolver esse qüiproquó, três testemunhas já foram ouvidas pela Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo – duas das quais produtores do programa que Tiririca mantinha na TV Record. Segundo a reportagem, eles ajudavam o humorista a decorar os textos a serem falados no programa. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral - TSE, por sua vez, o ministro Ricardo Lewandowski, mais tem confundido o eleitor brasileiro do que esclarecido – despreparo para exercer o cargo ou sintomas de esclerose?
Sim, porque, ao invés de facilitar a participação do povo no processo eleitoral, que, a bem da verdade, é o maior interessado, embora a maioria dos políticos faça questão de menosprezar isso, só vendo esse mesmo povo como um bando de idiotas que poderá mantê-la no poder, Lewandowski limita-se, e de maneira simplista, a menosprezar a votação maciça de Tiririca, alegando que o fenômeno resume-se a uma “ocorrência natural desta fase de amadurecimento da democracia brasileira”, já que o candidato não teria apresentado propostas e, mesmo assim, consolidou a sua campanha com o bordão Vote Tiririca. Pior que tá não fica. Sei não, mas acho que o palhaço tem razão, sobretudo quando o ministro diz que a votação em Tiririca “deve ser encarada como manifestação da vontade popular, transitória, se comparada com o número de candidatos que têm propostas concretas”. Propostas concretas? Quais? Aponte-me uma! É como diz uma amiga:
“Tiririca é o retrato do Brasil:
desdentado e analfabeto.
Nada de voto de protesto.
Foi o voto do nordestino em São Paulo”.
Lúcia Rocha
Jornalista brasileira
Eu, particularmente, confesso que ainda não vi uma proposta consistente, de não importa quem, que, realmente, possa vir a se tornar uma realidade. A não ser as da ambientalista Marina Silva, que, inclusive, em relação ao tema analfabetismo, defendeu a sua erradicação no conjunto de medidas para melhorar a qualidade da educação, que, aliás, incluía aumento de gastos públicos no setor. Enfim! Quer queiram ou não os magistrados – uma categoria para lá de arrogante –, Tiririca tem direitos, sim, embora um pedaço de papel, que é a Constituição Brasileira, redigido por terceiros em seu nome, antes mesmo de ele ser candidato a deputado federal, e em nome de milhares de brasileiros, diga NÃO! Pois, então, que o mesmo pedaço de papel também diga NÃO a políticos analfabetos que sequer conhecem o primeiro artigo do referido documento, que diz: Todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido. Infelizmente, o que temos visto, é o poder da corrupção...
O pior é que, de certa forma, por mais que quem engendre a corrupção seja o político desonesto, a responsabilidade desse poder não deixa de ser também do povo, visto que, apesar de a legislação eleitoral obrigá-lo a comparecer à urna, a sua escolha em quem votar é uma questão de foro íntimo. Votou nesse ou naquele candidato porque quis. Afinal, na cabine eleitoral, ficam somente a urna, o eleitor e a sua consciência. Assim, se o eleitor votou em alguém em troca de um benefício qualquer ou iludido por uma vã promessa, ele sabe perfeitamente em quem está votando, sendo, portanto, conivente com os deslizes que, caso eleito, o seu candidato venha a cometer. Por outro lado, há quem aja de boa fé, acreditando piamente em um dado político, devido, muitas vezes, a sua eloqüência. Sim, porque, por falar bonito, como o povo costuma dizer, o candidato já garante votos, embora, hoje, em função da democratização da informação, seja mais fácil identificar um político fraudulento.
Resumindo: iludido ou não, ingênuo ou consciente da sua escolha, não tem saída! Todo eleitor termina sendo conivente com a bandidagem dos políticos corruptos que elegeram. Afinal, se votou e elegeu... Até mesmo porque, como reza o manual oficial do cidadão, que é a Constituição Brasileira, não é o povo que confere poder a terceiros, a fim de que eles possam exercer esse mesmo poder em seu nome? Então? Daí, nem adianta reclamar depois. Enfim! Tiririca só não foi o mais votado na História do Brasil porque o médico cardiologista Enéas Carneiro (1938 - 2007), candidato a deputado federal pelo Prona, em 2002, obteve 1.573,642 votos. Um recorde! Um dia, quem sabe, o palhaço chega lá. Mas, enquanto isso não acontece, a preocupação do humorista é a de, se comprovado que é realmente analfabeto, ele não possa exercer o seu mandato, pois o mesmo será vetado por inelegibilidade constitucional. Trágico, para não dizer cômico...
Assim, agradando ou não a gregos e troianos, Tiririca anda a estudar, se preparando para a sabatina prevista para a próxima semana. Sei não, mas se a dita Justiça eleitoral – que de justa não tem nada – está se mostrando tão rígida com o pobre do palhaço, que o seja assim também com os demais eleitos, os submetendo a uma avaliação moral e ética, embora, de repente, o ideal mesmo seria radicalizar, julgando todos os candidatos de maneira igual. Ou seja, como eu já disse no texto Sonhos? Foi-se o tempo! Nulas as esperanças..., postado no dia 7 de setembro deste ano neste blog...
“(...) muitos políticos terminam fazendo da política uma carreira. Assim sendo, que sejam criados cursos de graduação para que isso se efetue. Afinal, para alguém se tornar um engenheiro, um médico ou um jornalista, por exemplo, se requer anos de estudo em uma universidade. Tal exigência, portanto, deveria ser extensiva para quem ambiciona seguir o ofício de político, já que, nos bancos da universidade, eles teriam a oportunidade para aprenderem conhecimentos vários: ética, moralidade, decência, gestão pública etc – coisas que, não é de hoje, poucos sabem do que se trata. Quanto ao quesito consciência... Infelizmente, essa, nenhuma universidade é capaz de legar, pois consciência se adquire. Ou não”.
Enfim! Dos quatro poderes existentes no Brasil, que são o executivo, o legislativo, o judiciário e a imprensa, parece que só o quarto dos tais poderes faz valer os direitos do povo. No caso do analfabetismo – tema em questão –, cujo conceito, inclusive, é relativo, os três primeiros poderes, por suas posturas, têm mostrado que, no dia a dia, querem mais é que o povo se dane! Agora, quando há um processo eleitoral, eles logo se encarregam de tratar esse mesmo povo com a maior das delicadezas, não esquecendo, é claro, de enaltecer até a sua mais enrustida lombriga. Afinal, se a maioria das pessoas que faz da política uma carreira não for eleita, seja ou não graduada em gestão pública, por exemplo, já que acho difícil o Brasil passar a exigir um curso superior para quem aspira tornar-se político, a fim de exercer o poder em nome do povo, como se iria justificar o sentido de tantos parasitas sem voto? Daí o melhor é ser um palhaço político do que um político palhaço...
Nathalie Bernardo da Câmara
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