segunda-feira, 11 de outubro de 2010

NO PAÍS DAS MARAVILHAS

Cartilhas, batinas, censuras...
Não as quero!

“A essência dos direitos humanos é o direito a ter direitos...”.

Hannah Arendt (1906 - 1975)
Filósofa germânica



Diante da irritante insistência de leigos em direitos humanos, que fincam o pé, igual criança contrariada quando lhe dizem não, embora eles aleguem entender do assunto, apesar das suas posturas assemelharem-se as dos fundamentalistas mais extremistas – haja redundância! –, querendo, a todo custo, influenciar a opinião de terceiros nos debates acerca das propostas dos programas de governo dos presidenciáveis, ou melhor, impor a outrem os seus respectivos entendimentos – diga-se de passagem, equivocados – sobre alguns temas, polêmicos de natureza, como, por exemplo, o aborto, publiquei, neste blog, na sexta-feira, 8, o texto intitulado Aborto: a dona do corpo é quem decide. Ocorre que, como a temperatura do que chamam de debate anda a aumentar de uma forma tal, pior do que o aquecimento global e na iminência de se tornar um caso de polícia, sobretudo quando o tema em questão vem à tona, decidi recorrer ao mesmo.

Então... Independentemente dos entendimentos que Fulano, Beltrano ou Cicrano têm do aborto, sou da opinião de que a interrupção da gravidez – não importa o motivo que leva uma mulher a tal decisão – é um problema de saúde pública e de direitos fundamentais. Assim, que durante o 2° turno destas eleições não se continue dando ao aborto uma dimensão que o tema não tem nem carece de ter. E que as polêmicas – estéreis – em seu nome não sirvam de pretexto para inflar ainda mais, por exemplo, o ego de certos religiosos, no caso, os católicos, que, pensando estarem na Idade Média – quem anda para trás é caranguejo –, fazem de tudo para negar o direito à liberdade de pensamento das pessoas e, sem escrúpulo algum, influenciar em suas decisões, sem falar nas almas consideradas desgarradas que, de lambuja, eles aliciam, diferentemente dos candidatos, que, apenas interessados nas urnas, cujo resultado pode elegê-los, angariam votos.

O pior, contudo, é que a empreitada de tais religiosos, amparada por suas crenças nos dogmas católicos – os filmes do cineasta italiano Fellini (1920 - 1993) perdem em surrealismo –, mais parece um jogo de vale tudo. Engraçado... Quando o assunto é o aborto, a Igreja católica logo ergue o punho, esbravejando contra a sua prática, como se a interrupção de uma gravidez fosse equivalente aos crimes considerados hediondos por não importa qual legislação, quando, a bem da verdade, tal decisão só diz respeito única e exclusivamente à mulher e a mais ninguém, já que o seu corpo – assim como a sua mente –, lhe pertence. Paradoxalmente, essa mesma Igreja católica silencia quando questionada sobre a pedofilia que, não é de hoje, está mais entranhada na cultura dos seus representantes de batina do que carrapato em cachorro vira-lata. Isso, sim, se chama hipocrisia! Ou tenha o nome que tiver – sinônimos é que não faltam.

Afinal, não é muito difícil definir uma aberração que já se tornou lugar-comum no seio da instituição, no caso, a pedofilia, embora os religiosos façam de tudo para encobrir um crime que, pelas leis terrenas, dá cadeia. No caso do Brasil, por exemplo, nem é preciso consultar o Código Penal do país para saber que, se confirmado o ato criminoso, um pedófilo logo passa a fazer parte das estatísticas. Porém, no que diz respeito à Igreja católica, o agravante é que, para azar das vítimas, muitas vezes, aliás, consideradas culpadas pelos abusos que sofrem, a maioria dos casos de pedofilia envolvendo religiosos é abafada. Só que os chargistas divertem-se...





Além disso, outro contra-senso da Igreja católica – incoerente por excelência –, igualmente trazido à tona nestas eleições, é a sua posição terminantemente contrária à união civil de pessoas do mesmo sexo. Sei não, mas eu daria tudo para entender a lógica da Igreja católica, que, feito mula que decide empacar, teima em negar uma realidade – o homossexualismo –, que, por sinal, ocorre a 3x4 no seio da instituição. Só que, no caso, não por debaixo de panos, mas de batinas, em um faz-de-conta cujo savoir-faire dá de 10 nos melhores contos de fadas já criados pelos mais renomados escritores de não importa qual nacionalidade. E que essa minha avaliação – qualquer pessoa de bom senso também a faria –, extensiva, inclusive, aos evangélicos, que em nada diferem dos católicos nos quesitos aborto e união civil de pessoas do mesmo sexo, estimule a reflexão, já que, infelizmente, ambos os direito não são reconhecidos constitucionalmente como fundamentais.

Que os dois direitos sejam, então, incluídos na Constituição Brasileira, mas sem que, para isso, haja a necessidade de um plebiscito. O que não se pode mais tolerar é que eles permaneçam excluídos da legislação mais soberana do país, bem como estigmatizados e marginalizados pelos que, não importa o que lhes motiva a isso, são contrários ao seu reconhecimento constitucional. Além do mais, como eu já disse antes, é infrutífero polemizar a respeito, já que certas polêmicas, além de estéreis por natureza, só têm como serventia atrasar a nossa evolução como seres capazes de discernir e, segundo o ginecologista brasileiro Thomaz Gollop, em entrevista ao jornal Correio Braziliense, publicada neste domingo, 10, alimentar preconceitos, ignorando conceitos. Ainda segundo o médico, se referindo, no caso, aos candidatos, a abordagem, em seus programas de campanha, mais especificamente do tema aborto, “está completamente inadequada”.

Para ele, “o aborto não é uma carnificina nem é uma questão religiosa em si”. A antropóloga brasileira Débora Diniz, por sua vez, referência mundial no assunto, também ouvida pelo Correio, fez um alerta: “Se os candidatos querem seriamente discutir o aborto, não devem fazer disso uma moeda de troca com as religiões. Debater o aborto deve ser um marco da saúde das mulheres, não uma concessão religiosa”. Um debate, sim, a respeito dessa problemática, se faz necessário, mas, também, tão logo seja possível, a inclusão do direito ao aborto, o tirando da ilegalidade, na Constituição. Afinal, se fizéssemos raios-x da realidade dramática que é a realização clandestina de abortos no Brasil, acho até que choraríamos diante dos resultados...

 


Para o jornalista Vinícius Sassine, que assinou a reportagem, “uma romaria de mulheres procura diariamente os hospitais públicos brasileiros. Depois de abortos clandestinos e malsucedidos, elas precisam de atendimento médico com urgência. São, em média, duzentas e cinqüenta e seis a cada dia, dez por hora. A mesma quantidade de vítimas de clínicas ou medicamentos clandestinos enfrenta a decisão pelo aborto sem qualquer suporte médico”. E o jornalista, fazendo jus ao título da reportagem – Tema recorrente na política, o aborto é um problema grave de saúde –, prossegue, informando que “os hospitais mantidos pelos repasses do Sistema Único de Saúde (SUS) não fazem tantas cirurgias quanto as curetagens. São procedimentos que exigem anestesia, geral ou local, para a retirada de restos de placenta do útero. Necessárias depois de abortos provocados, são quinhentas curetagens por dia. É mais do que o dobro de procedimentos de retirada de útero e o triplo da quantidade de cirurgias de períneo, as duas cirurgias mais frequentes pelo SUS, depois da curetagem”. E a reportagem alerta para o fato de que, “em todo o país, o aborto é a terceira ou a quarta causa – de acordo com cada região – de morte de mulheres no parto. A cada quatro dias, em média, morre uma brasileira que decidiu fazer aborto, levando-se em conta apenas os registros de mortes informados pelos hospitais ao Ministério da Saúde”.



Enfim! Sem políticas públicas que solucionem o problema, o aborto, no Brasil, termina, em sua maioria, se resumindo a um caso de polícia, já que a legislação brasileira garante a sua realização apenas em casos de gravidez decorrente de estupro ou quando a gravidez oferece riscos de morte à gestante. Desse modo, para quem insiste em desperdiçar energia polemizando sobre não importa qual dos dois temas aqui abordados, ou seja, aborto e união civil entre pessoas do mesmo, eu sugiro outro, de fato pertinente, sobre o qual, inclusive, podem polemizar à vontade – e o Brasil agradece –, que é a venda de ações, decidida, inclusive, sem o aval do povo, da mais queridinha das estatais brasileiras, a PETROBRÁS. Ou, então, que se polemize sobre o drama vivido pelo jornal O Estado de São Paulo, há 437 dias sob censura, já que a dita Justiça brasileira, por livre e espontânea pressão do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), assim determinou.

Sei não, mas, em minha opinião, Sarney era quem deveria estar sob censura, já que, em seu histórico político, é quem mais coleciona casos de nepotismo e tráfico de influências neste Brasil de paradoxos – o país das maravilhas –, cujo judiciário, que não hesita em cercear a liberdade de expressão da imprensa, aceita de bom tom que homens como o filho do senador em questão, o empresário Fernando Sarney, seja indiciado, embora ele negue de pés juntos, por formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica... Só coisa boa! Aí, para não ver o pimpolho incauto atrás das grades, Sarney manda calar a boca do Estadão, que nada mais fez do que cumprir com a sua função social, ou seja, publicar detalhes da investigação realizada pela Polícia Federal, que ainda anda apurando a gravidade dos crimes cometidos pelo meliante. Isso sim é que é herança genética! Ou seja, tal pai, tal filho. E tudo fica em família...

 


Parece até que estamos na Bolívia... Bom! O fato é que a liberdade de expressão – direito fundamental incluso na Constituição Brasileira – não deveria ser censurada. E em hipótese alguma! Muito menos para satisfazer as vaidades de um político que nada mais é do que uma fraude, pois, apesar de se dizer escritor, com livros publicados e premiados, desconhece, por completo, o que seja, por exemplo, ética... Ora, assim é muito bom fazer da política uma carreira! Só que os meios aos quais os candidatos recorrem para chegar a não importa qual cargo eletivo mais parecem uma equação matemática. E daquelas que ninguém entende nada. Sim, porque, primeiro – a tarefa mais fácil – deve-se iludir o povo com discursos vazios, mas recheados de promessas demagogas. Em seguida, dando uma de mendigo, o candidato, aparentando humildade – coisa que ele também desconhece –, pede o voto desse mesmo povo, que, aliás, o dá de bom grado – haja ingenuidade!

Em uma terceira etapa, contudo, a mais excitante – diga-se de passagem –, pois garante adrenalina para todo o seu mandato, o político eleito sequer hesita em meter a mão na riqueza do mesmo povo que, no início da sua campanha eleitoral, ele enganou sem nem pestanejar – se pestanejou foi devido a um cisco que, em meio à multidão, sem pedir licença, o deixou ainda mais cego... E é isso! Desejo, portanto, ao final deste texto, dizer que faço minhas as palavras da filósofa germânica Hannah Arendt, que assina a epígrafe deste post, e que os direitos fundamentais – todos – possam, enfim, ser garantidos por lei. Ou seja, se tornem, de fato, um fato. Mas, para isso, nada de plebiscito! E se já andam a ventilar a possibilidade de a Constituição ser revista, que comecem pela inclusão de direitos fundamentais que, desde a primeira das constituições do país, por ignorância ou oportunismo, foram ignorados, relegados ao mais fétido dos guetos.

Por isso que, em nome dos direitos humanos, da paz, da não-violência e em nome dos nossos cinco sentidos, que não são esgotos, onde se depositam toda sorte de poluição, faço um apelo aos candidatos, sobretudo os presidenciáveis, e aos seus assessores:


 
 
Que no 2° turno das eleições, sobretudo as presidenciais, as propagandas dos candidatos e os seus discursos sejam pautados pela decência, não pela vulgaridade. E é exatamente por isso que achei o maior despropósito – fora de tom, eu diria – uma notícia que, outro dia, foi divulgada na mídia, sobretudo na internet, circulando com uma rapidez impressionante, feito pavio de pólvora. Só que, seguida desta notícia, recebi outra, que, apesar de não ser tão polêmica como a primeira, é igualmente curiosa, sobretudo porque ambas são exemplos da mediocridade humana e – o que é pior – nos mostram até que ponto pode chegar a leviandade das pessoas. Daí eu ter decidido fazer das duas notícias temas dos dois próximos posts, dando, assim, continuidade a este...

 

Nathalie Bernardo da Câmara




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