quinta-feira, 7 de outubro de 2010

ABERTA A TEMPORADA CIRCENSE

Tête-à-tête




“Dilma parece uma personagem de ficção
e Serra a ficção de uma personagem...”.

Fernando Barros e Silva
Jornalista brasileiro

 
Deu no jornal Correio Braziliense (05/10/2010): A Batalha pelo voto de Marina – Dilma e Serra elogiam a candidata do PV e defendem o meio ambiente para atrair o interesse de 19 milhões de eleitores. Nesta mesma terça-feira, o Tribunal Superior Eleitoral - TSE fez valer a proclamação oficial dos candidatos ao segundo turno das eleições. Dilma (PT) e Serra (PSDB) podem agora, portanto, se engalfinhar até o povo dizer basta! Para isso, ambos terão dois períodos diários, inclusive aos domingos, de vinte minutos cada, para divulgarem as suas propostas no espaço reservado à propaganda eleitoral gratuita – televisão e rádio. Preparemo-nos, então, para mais um espetáculo de luta livre a adentrar na nossa intimidade. No caso, neste segundo turno, entre os dois presidenciáveis, que, aliás, já estão autorizados para retomarem os seus programas a partir da próxima sexta-feira, 8, se encerrando, contudo, dois dias antes do pleito, que ocorrerá no dia 31.

Então... O periódico diz, ainda, que, no jogo de sedução para, a todo custo, obterem o apoio de Marina, na incerta esperança de capitalizarem para si a migração dos eleitores da ambientalista, Dilma e Serra não perderam tempo e, já na segunda-feira, 4, cada um a seu modo, não economizaram mimos à mulher de dezenove milhões de votos, flertando descaradamente com ela. O tucano, contudo, se mostrando mais ousado do que a sua adversária, surpreendeu a todos por sua súbita e inesperada preocupação com o meio ambiente – se é que ele sabe do que se trata –, passando a considerar o tema “uma área prioritária, não um apêndice”, em seu governo. Não deixando por menos, o Correio logo o rotulou de neoambientalista. Dilma, por sua vez, segundo o jornal Folha de São Paulo, também do dia 5, já ensaia a retirada da descriminalização do aborto do programa do PT, proposta que – tudo leva a crer – a fez perder votos de religiosos no pleito do dia 3.

 
 

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é...”.

Caetano Veloso
Músico brasileiro


Sei não, mas, uma das coisas que mais me chamaram a atenção em Marina, além, é claro, da sua preocupação e competência no quesito meio ambiente – ela é considerada uma das cinqüenta pessoas em condições de ajudar a salvar o planeta –, foi a sua disponibilidade em tratar de temas para lá de polêmicos sem maiores pudores e melindres, independentemente das suas opiniões pessoais a respeito, propondo, ao mesmo tempo, a realização de plebiscitos para que a sociedade decida, por exemplo, qual o destino do aborto e das drogas no Brasil. Porém, como já disse a antropóloga Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília - UnB e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, primeira organização não-governamental, sem fins lucrativos, voltada para a pesquisa, assessoramento e capacitação em bioética na América Latina, com sede em Brasília, “aborto não é matéria para plebiscito” – assino em baixo.

A antropóloga diz, ainda, que “a democracia se move por duas forças: de um lado, a vontade da maioria, o que agora nos leva a eleger o novo Presidente da República; de outro lado, a proteção dos direitos das minorias. Questões de ética privada, como união civil entre pessoas do mesmo sexo ou aborto, não são matérias plebiscitárias, mas de garantia de direitos fundamentais”. Segundo ela, “as concessões políticas feitas pelos candidatos devem ser consideradas ameaças democráticas, pois indicam a força das religiões no espaço público. Não é o tema do aborto e a saúde das mulheres o que está sendo discutido, mas se as plataformas religiosas devem regular ou não a sexualidade e a reprodução das mulheres”. Por isso que, no quesito aborto, é até uma hipocrisia Dilma retirar o tema de pauta, pois essa atitude não é honesta, sobretudo porque, além de não lhe competir realizar um plebiscito, igual Marina pretendia, isso iria contrariar os seus próprios princípios.

Mas, como na caça a votos – a modalidade esportiva preferida dos políticos – parece que vale tudo, inclusive assumir uma postura covarde diante da suscetibilidade de outrem... Além disso, uma coisa que, sinceramente, eu não compreendo é essa necessidade de Dilma – leia-se PT – em revisar a Constituição Brasileira. Tudo bem que até eu concordo que o manual oficial do cidadão brasileiro, soberano por si só, não é perfeito, tem falhas, mas daí querer impor um capricho partidário a toda uma população já é demais. Assim, caso a dama de ferro venha a ser eleita presidente do Brasil – ou qualquer outro que defenda a mesma posição – e queira, de fato, levar adiante essa sandice, que seja feito, então, um plebiscito – não um referendo –, com o governo reconhecendo o direito do povo em decidir, ele próprio, se quer ou não uma revisão constitucional. Nada de imposição, de cima para baixo, que apenas reflete um autoritarismo desmedido.

Agora, se a Constituição Brasileira for mesmo revista, mas somente se o povo assim o decidir, que, enfim, seja abolida – se é que o tema é de sua competência – a obrigatoriedade do comparecimento do cidadão à urna nos processos eleitorais do país, instituindo o que chamam de voto facultativo – ou tenha lá o nome que tiver –, a exemplo de países desenvolvidos que, de fato e de há muito, optaram pela democracia, diferentemente do Brasil, que, longe de ser um conto de fadas, faz de conta ser regido por princípios democráticos. Porém, esse tipo de postura dos governantes brasileiros, ou seja, o de não mover um dedo sequer para mudar essa realidade, traduz, nada mais nada menos, as suas más intenções e interesses escusos, ou melhor, a sua sordidez – sem precedentes – em querer continuar fazendo do povo massa de manobra, bucha de canhão. Daí eu não reconhecer como legítimas nenhuma das eleições ditas democráticas que ocorrem no Brasil.

Voltando, contudo, ao affaire que Dilma e Serra querem manter com Marina... Sim, ambos não disfarçam o desejo por um idílio verde para lá de bucólico. Como diria o jornalista brasileiro Arnaldo Jabor, se referindo aos encantos da ambientalista acreana: “No meio de uma programação mecânica de marketing, apareceu um ser vivo: Marina Silva”. Parece que sim, não é? Tanto que, ainda no dia 4, o Jornal do Commercio e o Estado de Minas estamparam, respectivamente, as seguintes manchetes: Todos querem Marina e Dilma e Serra tentam surfar na onda verde. Mas, e Marina, o que pensa disso tudo? O que ela quer? Com certeza, nenhum dos dois presidenciáveis está interessado nisso. Só que a noiva, como a cognominou o Correio, é tão ou mais arisca do que o mico-leão-dourado, ameaçado de extinção, já que, em sua opinião, Dilma e Serra não são muito diferentes um do outro, visto defenderem “um modelo de desenvolvimento do século XX”. Mandou bem!

Ah! Ainda segundo Arnaldo Jabor, em uma tentativa de comparar a ex-seringueira com o ex-operário metalúrgico, “Marina tem origem semelhante à do Lula, mas não perdeu a doçura e a fé de vencer pelo bem. Isso passa nas imperceptíveis expressões e gestos, que o público capta”. Sem comentários, embora seja pertinente citar uma frase dita pela ambientalista logo após o resultado das apurações, na noite de domingo, se referindo a um eventual apoio à Dilma ou a Serra. Ou a nenhum dos dois, ou seja: “Vou firmar uma convicção ao longo do processo...”. Que a firme, então, camarada! Mas, cuidado, pois ambos os presidenciáveis estão tipo carniceiros sanguinolentos, querendo porque querendo – não importa o preço da arrouba – abocanhar os seus dezenove milhões de votos. Se brincar, de tantos beijinhos que os dois já trocaram, se lembre de Judas. Afinal, não dizem que foi com um beijo na face que o meliante traiu Jesus de Nazaré?

 
 



Nathalie Bernardo da Câmara


 


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