sábado, 9 de outubro de 2010

UMA LUTA SEM FIM


“O conhecimento faz-nos responsáveis...”.

Che Guevara (1928 - 1967)



Havana, 1964. Local e ano de um encontro antológico: do escritor Italo Calvino (1923 - 1985), nascido em Cuba, mas naturalizado italiano, com o médico e revolucionário Ernesto Che Guevara, nascido na Argentina, mas naturalizado cubano. Anos depois, no dia 15 de outubro de 1967, em Paris, no dia do seu aniversário de quarenta e quatro anos, Calvino escreveu um artigo que remontava ao seu encontro com Che, que, inclusive, havia morrido na Bolívia uma semana antes, no dia 9. Publicado pela primeira vez em 1968, e em espanhol, na edição especial da revista cubana Casa de las Américas dedicada à Organização Mundial da Saúde - OMS. Curiosamente, o texto original do artigo, em italiano, só foi publicado na Itália em 1998, na edição de número I da revista Che, editada pela Fundação Italiana Ernesto Che Guevara. Hoje, dia 9 de outubro de 2010, quando fazem quarenta e três anos da morte do revolucionário cubano, prestemos, então, uma homenagem ao “homem que – nas palavras de Calvino – quis carregar todos os homens”, transcrevendo o artigo em questão.

 
Nathalie Bernardo da Câmara

 
 



Tentando escrever qualquer coisa

Pensando em Che Guevara

Por Italo Calvino

 

Tudo o que eu tentei escrever para expressar minha admiração por Ernesto Che Guevara de como ele viveu e como ele morreu, tudo parecia fora do tom. Eu sinto o seu sorriso, que o transmite de volta para mim, cheio de ironia e comiseração. Aqui, estou eu, sentado em meu estúdio, entre meus livros, na paz finita e falsa prosperidade da Europa, dedicando, sem qualquer risco, um breve intervalo do meu ofício de escrever, sobre um homem de vontade, que assumiu todos os riscos, que não aceitou a ficção de uma paz temporária, um homem que perguntou a si mesmo e ao outro qual o espírito de sacrifício máximo, convencido que era de que todo sacrifício poupado hoje seria pago amanhã com uma soma ainda maior de sacrifícios.

Guevara nos questiona sobre a gravidade absoluta de tudo o que ele considerava ser a revolução e o futuro do mundo, uma visão radicalmente crítica de cada ato cujo objetivo era pôr em prática as nossas consciências.

Nesse sentido, ele permanecerá no centro da nossa discussão e em nossos pensamentos, como quando era vivo ou mesmo estando morto. É uma presença que não nos pede qualquer consenso nem superficial homenagem formal, equivalente a um mal entendido, minimizando o extremo rigor de sua lição. A linha do Che exige muito dos homens, exige um método de luta a partir de uma perspectiva que se tem de sociedade, que deve nascer a partir da luta. Diante de tanta coerência e coragem em levar até as últimas conseqüências uma idéia e uma vida, sejamos modestos e sinceros, conscientes de que a linha do Che significa uma transformação radical não só da sociedade, mas, acima de tudo, da “natureza humana”, começando por nós mesmos, cientes do que nos separa de colocá-la em prática.

A discussão de Guevara com todos aqueles que dele se aproximavam, a longa discussão da sua breve vida (discussão-ação, discussão sem o abandono do fuzil), não será interrompido por sua morte, continuando a fluir. Mesmo para um interlocutor ocasional e desconhecido (que poderia ter sido eu, em um grupo de convidados, uma tarde de 1964, em seu escritório do Ministério da Indústria), o encontro não poderia permanecer um episódio marginal. As discussões que interessam são aquelas que ainda continuam em silêncio em seus pensamentos.

Em minha opinião, a discussão com Che perdurou por todos esses anos e, quanto mais o tempo passava, mais ele tinha razão.

Ainda hoje, morrendo ao pôr em marcha uma luta sem fim, ele continua a ter sempre razão.
“Hay que endurecer pero sin perder la ternura jamás!”.

Che



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