sexta-feira, 23 de maio de 2014

ABORTO: NUM PAÍS DE DÚBIA MORAL, CADA CONQUISTA É UM AVANÇO...



Procedimento de aborto legal entra na tabela do SUS
Governo vai pagar a hospitais R$ 443,30 por cirurgia
Procedimento continua exclusivo para casos de estupro e fetos anencéfalos

WASHINGTON LUIZ, de O Globo
22/05/14


BRASÍLIA - O Ministério da Saúde publicou, nesta quinta-feira, uma portaria que cria o procedimento de aborto legal na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Com a determinação, o governo irá pagar R$ 443,30, por cirurgia, aos hospitais. O novo procedimento é identificado como “Interrupção da Gestação/Antecipação Terapêutica do Parto Prevista em Lei”.

O aborto continuará sendo realizado apenas nas condições permitidas pela legislação, como no caso da gravidez ser decorrente de estupro ou por ser gestação de anencéfalo, como determina a decisão de 2012 do Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com o ministério, o procedimento reúne as técnicas de curetagem e esvaziamento intrauterino (AMIU), que já eram realizadas pelo SUS, e acrescenta o uso de medicamentos na interrupção da gestação.

Apesar de ser uma matéria considerada pacificada pela bancada religiosa, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO), da Frente Parlamentar Evangélica, vê a criação do procedimento como uma preocupação: — Já discutimos isso no ano passado e chegamos a um consenso em relação as grávidas vítimas de violência sexual e as gestações anencéfalas, mas vamos continuar unidos para não permitir que haja avanço na prática do aborto.

Para a coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, Rosângela Talid, a inclusão do procedimento na tabela do SUS será benéfica para as mulheres que precisam realizar o aborto: — Antes, só tínhamos as normas técnicas e isso dificultava quando a mulher procurava pelo procedimento. Com a portaria, os hospitais do SUS vão ser obrigados a atender as pacientes e realizar o aborto. Reforça e facilita o acesso da mulher ao que ela tem direito – defendeu.

A portaria do ministério também contempla uma lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff no ano passado que estabelece garantias à mulher vítima de violência sexual, incluindo a oferta da pílula de emergência, conhecida como pípula do dia seguinte, e de informações sobre seus direitos ao aborto em caso de gravidez.


Enquanto isso, na revista


Aborto entra para a lista de procedimentos do SUS
Governo pagará R$ 443 para cada cirurgia, que continua exclusiva para casos de estupro, para fetos anencéfalos ou gravidez de alto risco

Marina Pinhoni
23/05/2014


São Paulo – O Ministério da Saúde incluiu na lista de procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a cirurgia para interrupção da gravidez.

O procedimento gratuito já estava previsto por lei, mas possuía outra nomenclatura. Além disso, não havia regulamentação para determinar o valor específico do repasse do governo para os hospitais, que agora está definido em R$ 443,30 para cada cirurgia.

No Brasil, o aborto é permitido para vítimas de violência sexual, quando é comprovado que o feto é anencéfalo ou quando a gravidez for de alto risco para a saúde da mulher.

A portaria publicada nesta quinta-feira no Diário Oficial da União complementa a lei sancionada em agosto do ano passado pela presidente Dilma Rousseff, que dispõe sobre o atendimento das vítimas de violência sexual na rede pública.

Podem solicitar o atendimento mulheres de 9 a 60 anos de idade, que apresentarem o Cartão Nacional da Saúde (CNS). A resolução do Ministério da Saúde também prevê o direito a um acompanhante durante a internação.

*Matéria atualizada às 14h38 para correção. Segundo o Ministério da Saúde, os hospitais já eram obrigados a prestar atendimento gratuito nesses casos, mesmo antes da portaria.



Avante, sempre!



Já foi um avanço, sim, mas deve liberar geral, em qualquer situação! E não somente porque o corpo da mulher apenas à ela pertence, mas por uma questão de saúde pública. Na postagem Aborto legal: faça valer essa ideia!, publicada no dia 22 de agosto de 2012, quando ainda da reforma do Código Penal brasileiro – em muitos aspectos, permanecendo na obscuridade –, este blog afirmou que defende o aborto, incondicionalmente. E não apenas por ser um direito humano, mas, sobretudo, no caso do Brasil, por ser uma questão de saúde pública. Vejamos um trecho da referida postagem, atualizando, contudo, o seu tempo verbal: — Um dos graves problemas sociais do Brasil – não é de hoje – tem nome: aborto inseguro. E não adianta querer tapar o sol com a peneira porque a realidade está na cara: numa e crua, inclusive banhando de sangue inocente o país que se diz de todos – realidade essa, aliás, que não pode mais ser negligenciada pelas políticas públicas do Estado. Pelo contrário! Deve ser uma das suas prioridades na área social. Daí serem improfícuas as polêmicas em torno do aborto. Porém, se ainda há quem pressione o Estado para que o aborto não seja descriminalizado e o Estado, por sua vez, comporte-se como um pau mandado, que se promova, então, um plebiscito. Afinal, não dizem que, atualmente, o Brasil vive num regime democrático de direito? Só que, na verdade, o problema é outro: o Estado não somente se sujeita a pressões de naturezas escusas, que fazem do aborto um tabu, como também ignora as estatísticas – o que dirá dos casos que delas ficam de fora! Desse modo, se a tarefa da Comissão de Juristas com a Finalidade de Elaborar Anteprojeto de Código Penal (CJECP) era a “de modernizar a legislação penal” brasileira, os nobres juristas deveriam ter dado atenção redobrada à grave e preocupante realidade das condições adversas, muitas vezes pondo em risco à integridade moral e física da mulher, noutras matando mesmo, em que a maioria dos abortos é realizada no país. E é bom lembrar que essa mesma maioria não dispõe das mínimas condições financeiras para arcar com despesas médicas que inclui remuneração de profissionais da saúde qualificados de clínicas particulares bem equipadas para a realização da intervenção cirúrgica proibida por lei, ou seja, a interrupção da gravidez indesejada, terminando por recorrer ao que está no limite das suas posses: abortar em casa, sem os devidos cuidados médicos, ou em espaços clandestinos, cujos responsáveis não observam a ilegalidade da prática e a realizam a 3x4, muitas vezes, o que é mais grave, desprovidos dos conhecimentos e dos meios para os procedimentos cirúrgicos necessários para fazê-la. Diante, portanto, dessa realidade, três perguntinhas pedem uma reflexão dos senhores juristas: por acaso eles desconheciam que a demanda é grande? Se não desconheciam, se sabiam da precariedade dos partos clandestinos, dos traumas e do alto índice de óbitos que decorrem dessa realidade, insistir na proibição absurda da prática do aborto, salvo nas condições previstas por lei, como está lá, posto no papel, não se constituiria igualmente um crime? Além disso, desprezar uma realidade dramática como essa não seria o mesmo que assinar um atestado de inaptidão para a função à qual foram designados? Infelizmente, o improvável atestado é hipotético e, mesmo que não o fosse, não teria nenhum valor retroativo. Detalhe: a CJECP não cumpriu com a tarefa de “modernizar a legislação penal” do Brasil, já que, no quesito aborto, não é inovação a gestante de até 12 semanas poder interromper a gravidez contanto que um médico ou psicólogo ateste que ela não tem condições psicológicas de assumir uma maternidade... Não me consta que isso seja um avanço, pois, além de conferir a terceiros uma decisão que deve ser exclusiva da mulher, ela tenha ou não condições para ser mãe, a subjetividade implícita nesse tipo de julgamento chega a ser surreal. E isso porque o que há de mães por aí que não têm condições nem de cuidar delas mesmas, o que dirá de uma criança! – não deixando de fora, obviamente, o homem reprodutor, na maioria das vezes, inclusive, igualmente imaturo, psicologicamente falando, e sem preparo algum, muitas vezes, até, um completo irresponsável. No entanto, como, nesses casos, as mulheres não fizeram nenhum aborto, ninguém interfere, ou seja, o Estado, parte da sociedade e as religiões não se intrometem na sua vida. Na verdade, o fato é que ninguém se importa com a mulher, com a sua qualidade de vida, a sua saúde global e necessidades materiais. Ou seja, com nada que lhe diga respeito. Agora, basta falar em aborto que corre todo mundo: pai, filho, espírito santo, a família toda! Além dos agregados, bem como toda a fauna... Vira um pandemônio, uma histeria coletiva, beirando à patologia. Só que esse atrevimento e desrespeito, supostamente baseados numa moral qualquer, tem nome: hipocrisia. Em certos casos, contudo, chama-se obsessão. Ocorre que hipocrisia é algo desprezível e para obsessão tem tratamento médico. Porém, quando a hipocrisia e a obsessão andam juntas, mesclando-se numa só, não dá outra: a perda do direito da mulher a sua individualidade e privacidade é total. A não qualificação do aborto como crime, por sua vez, nos casos que a gravidez acarreta risco para a vida da mãe ou é resultado de estupro, permanece mantida no referido documento, bem como nas situações em que for comprovada a anencefalia do feto ou que este possua algum tipo de anomalia incurável, inviabilizando a vida fora do útero, desde, contudo, que dois médicos atestem, digamos, a inconveniência da continuidade da gravidez. Deveriam ser três médicos, não? Afinal, se der empate, como fica? Bom! Passível, portanto, de penalidades, o aborto fruto única e exclusivamente da vontade da gestante e em qualquer período da gestação – causa maior das polêmicas e dos arranca rabos que, desnecessariamente, são, vez por outra, trazidos à tona. Só que avanço não é coibir a mulher de um direito humano seu. Tanto que se era para “modernizar a legislação penal” brasileira, que a Comissão Especial Interna do Senado Federal, à época analisando o PLS nº 236/2012, descriminalizasse o aborto de uma vez por todas. Sim, que fechassem portas e janelas, a fim de não entrassem parasitas, e, sem nenhuma ressalva, legalizassem a interrupção da gravidez – decisão essa, aliás, que deveria passar a contemplar os nove meses de gravidez. Afinal, trata-se aqui de uma questão de saúde pública, que, traduzindo, diz respeito à preservação e à qualidade de vida da mulher – mais da metade da população brasileira, diga-se de passagem. Não abandoná-la a própria sorte, correndo o risco de ter a sua vida ceifada apenas porque meia dúzia de iluminados optou por fazer valer uma moral caduca, negligenciado a sua responsabilidade social. Outra coisa, contudo, faz-se necessário esclarecer: o fato de, historicamente, a mulher sempre ter abortado, não sendo agora, portanto, em pleno séc. XXI, que ela deixará de fazê-lo apenas porque uma lei medieval proíbe. Os nobres juristas por acaso pensaram que a realidade iria ou irá se moldar ao seu anteprojeto? Daí o mais sensato seria se os parlamentares tivessem ajustado o PLS nº 236/2012 para que este se adaptasse à realidade. Não o contrário! E as senadoras Marta Suplicy (PT-SP) e Ana Rita (PT-ES) sabiam disso, mas, infelizmente – não há dúvidas que é porque pensam assim –, foram relegadas ao segundo plano, postas na reles condição de suplentes, praticamente sem voz alguma para interferir nos debates e nas decisões que possam beneficiar a mulher. Ou seja, o circo foi armado de antemão, com a Comissão Especial Interna do Senado Federal compactuando com o cinismo de uma moral esquizofrênica e genocida. Não obstante, essa mesma omissão implicou que juristas e senadores, bem como quem mais fez parte desse processo decisório, assinem embaixo de cada óbito que ocorrer quando uma mulher morrer de um aborto mal sucedido, que o mesmo se dê em casa, sem os devidos cuidados médicos, ou nos mais diversos espaços clandestinos, muitas vezes sem estrutura, espalhados pelo Brasil afora. Ocorre que o conceito de modernidade é igualmente relativo, embora o problema permaneça em pauta, já que o anteprojeto não atende as reais necessidades da mulher, pois, do jeito que se pretende, não está que se dando continuidade ao desrespeito do direito da mulher de decidir sobre o seu corpo, que, reconheçam ou não, lhe pertence, sendo esse mesmo corpo, inclusive, o seu bem mais genuíno, assim como tudo o mais que estiver dentro ou fora dele, não sendo o mesmo, portanto, propriedade de mais ninguém, muito menos da sociedade, do Estado nem de religião alguma. Que essa tríade, portanto, ou melhor, que esses trigêmeos siameses tortos tenham pelo menos a decência de não se eximirem da responsabilidade diante de cada óbito provocado pela prática do aborto inseguro – isso independentemente dos óbitos constarem ou não nas estatísticas e de serem ou não divulgados pela mídia, já que fatos são fatos, no caso, bastante concretos, por sinal, embora nada se faça para mudar essa triste realidade, apesar de todos terem conhecimento disso. Infelizmente, a arrogância não permite que eles cedam. E, infelizmente, apesar das vozes que clamam – não são poucas –, uma rápida olhadela no termômetro que tem medido a temperatura dos debates que andam a moldar a reforma do Código Penal mostra que, sem querer ser pessimista, a probabilidade de o aborto vir a ser legal no país, é mínima – país esse, afinal, cuja mentalidade, em muitos aspectos, é a mesma de milênios, ou seja, eminentemente dogmática, patriarcal, machista e chauvinista. Porém, o que mais causa indignação é saber que as respectivas consciências daqueles que de tudo fazem para continuar se sentindo superiores as mulheres, permanecerão tranquilas, indiferentes as suas ações e as suas consequências desastrosas. Não obstante, insisto: não abortem a ideia do aborto legal! 



Nathalie Bernardo da Câmara


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