sábado, 10 de maio de 2014

BULLYING OU MANGAR



Por Evaldo Alves de Oliveira
Médico pediatra e homeopata, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN).
Crônica publicada no dia 28 de abril de 2014
Blog do Evaldo - www.evaldoab.wordpress.com


A palavra Bullying, se traduzida para o linguajar Nordestinês, tem o significado de mangar (zombar). Eu sofri e ainda sofro bullying em algumas ocasiões e afirmo, catedraticamente, ser idiota a pessoa que dá ouvidos às gozações que lhe são feitas.

Na minha tenra infância, mais precisamente aos 6 anos de idade, fui diagnosticado míope (pior do que racismo). Anos mais tarde, quando passei a viajar nas minhas férias escolares para Areia Branca, as crianças da minha geração, tanto da capital potiguar quanto de lá, já mangavam de mim. Gritavam: “Ceguinho”! “Cego”! “Cego Aderaldo”! “Cegueta”! “Quatro-olhos”! E outros apelidos com o mesmo significado e a mesma intensidade. O que me aborrecia era que nunca entendia por que era chamado de “Cego Aderaldo”, pois, quem afinal foi este Aderaldo? Pelo amor de Deus me expliquem! Achando pouco a gozação, os “mui amigos” se referiam a minha cor da pele (e olhe que não sou tão negrão assim, mas que me considero negro, isso sim) como: “Negrinho”, ”Negro”, “Carvão”. Como transpareciam ser pequenos os apelidos pejorativos, e para enfatizar e aumentar mais o bullying, alguns duplicavam o “nome” me chamando de “Negro-Preto”, “Negro-Tição”, “Negro-Pretume”, “Negro-Safado”, e outros congêneres mais amenos como: “Café-com-leite”, “Feijão com arroz”, “Moreno-Queimado”, e coisas parecidas. Sim, concordo que na minha imaturidade eu tive muita raiva, mas graças à sabedoria do meu pai e herói aprendi a lição. Ele me ensinou que eu não era aquilo e se eu “desse cavaco” (aborrecer-se) com aquelas besteiras, aí sim, aqueles apelidos iriam ficar. Só era eu responder aos chamamentos de forma bastante educada, gentil, e não me abalar de maneira nenhuma.

Tentei na medida do possível não me zangar e a coisa funcionou. Desafio qualquer pessoa em Areia Branca que reclame que fui alguma vez descortês quando apelidado, ou que revidei quando xingado. Na Rua Silva Jardim, quando jogava bola ,os colegas diziam: “passa a bola negro”! ”Vai na bola ceguinho”! “Negro mole, medroso”! “Vou lhe quebra Quatro-olhos”! “Vou lhe arrebentar Cego Aderaldo”! “Cego de uma figa”, “Negro-da-gota-serena”, etc. Eu na minha impassibilidade atendia a todos os chamados com a maior gentileza possível.

Na escola, os colegas de turma na aula de História do Brasil repetiam a fórmula todos os anos quando estudávamos a escravidão no Brasil, a Lei do Ventre Livre e a famosa Lei Áurea. Parece que estou vendo dizerem: “escapou fedendo em Negrão”? “Negro assim é bom na chibata”! “Negro é bom na peia”! Imagino os meus irmãos afrodescendentes como sofrem humilhações, afinal, Deus me capacitou para não me abalar com essas tolices, mas muitos não são tolerantes assim.

Na fase adolescente a música “Pisa na Barata” dos compositores Oswaldo Fahel e C. Machado fez grande sucesso em Areia Branca , cujo refrão diz: “Pisa na barata, mata essa barata, vixe, que barata, é um barato essa barata” . Penso que foi o querido e saudoso amigo Ricardo Rogério quem me apelidou com o sugestivo nome de “Barata”, mas tenho dúvida se não foi o também querido amigo e criativo gozador João Rodrigues Filho (Rodrigues ex-secretário de Cultura) quem teve a brilhante ideia. Achando pouco-caso eles me batiam na cabeça, como que “matando a barata”. Eu me fazia de Otário Souza e não dava a mínima; um verdadeiro comportamento de bobo da corte. Marco Antonio (filho de Jória), seu irmão Ricardo (atual secretário de saúde), o saudoso Junior Vovô (filho de Luiz vovô), Beto e seu irmão Rogério (filhos de Biel), Itamar de Pereira, Lucena Jr, e outros da turma que não me recordo, caíam na gargalhada. Faço um desafio: pergunte a alguns destes citados se isso gerou alguma inimizade, mau querência, ou mágoas? Nenhuma! Afinal, repito, quem dá ouvidos quando mangado é um verdadeiro bobo e fraco mentalmente. Eu me sentia superior e continuava desempenhando meu papel de Otário Souza. Achava sábio não me importar com brincadeiras de mau gosto, e brilhantemente sobrevivia, me fortalecendo diante de todas aquelas investidas e bobagens da juventude. Acho bastante graça daquele período e tenho plena consciência que não sou masoquista. Coisas da juventude.

Cheguei à Universidade do Estado do RN (antiga Fundação Universidade Regional do RN – FURRN) concomitante com a UFERSA (antiga Escola Superior de Agronomia de Mossoró – ESAM). Na Universidade não me recordo de bullying, mas na ESAM os apelidos eram pra desmoralizar, acabar com o seu ego. Dos apelidos que me recordo devido minha altura (1,88m à época) eram: “Miudinho” (gigante personagem de HQ: História em Quadrinhos), “Inferno na torre” (filme famoso à época), “Pinguelão” (relativo a outro aluno que tinha o mesmo apelido e era mais alto que eu), “Bichão Grandão”, “Zé Grandão”, “Altão”, e outros que não lembro no momento. Devido à cor: “Negrão” (esse não me larga nunca!). Não me recordo se eles me apelidaram de algo relativo a minha miopia. O que me recordo é que meu nome de “batismo” ficou “Burra Preta”, que era um homossexual bastante conhecido em Fortaleza/CE, que tinha uma altura considerável e era deveras corpulento. Além disso, havia alguns, como Clóvis Emídio (ex-presidente do América Futebol Clube), meu amigo desde então, que imitavam o zurrar de uma burra quando passava por eles. Esplêndida onomatopeia. Imito vários sons de animais, lutei por aprender o zurrar de um jumento e não consegui. Minha intenção era também responder às provocações à altura e mostrar a minha superioridade diante das brincadeiras. O primo Glen Araújo (filho de Geraldo Araújo/Dalvinha), que residiu comigo na Vila Acadêmica da ESAM, foi contemporâneo de faculdade e é testemunha desta época. Ele também pra me chatear me chamava pelo belo e artístico apelido de “Burra Preta”. Primo gozador. Isso me faz lembrar que atualmente qualquer sargento das Forças Armadas no mundo todo age da mesma forma, ou pior, com os seus subordinados recrutas e soldados. Não tenho nenhum rancor desta época, muito pelo contrário, só trago boas lembranças e fiz boas amizades com aqueles que me gozavam.

Passados alguns anos fui fazer pós-graduação. O local escolhido não poderia ser outro que não fosse a ESAM de excelentes recordações. Fiz questão de residir na Vila Acadêmica e um aluno da graduação de apelido “Chôco” (em Nordertinês se traduz para chato, um porre!), de tão chôco, não me lembro do nome do miserável, me apelidou de “Silvão”. Eu ainda não havia realizado a cirurgia de correção da miopia e usava óculos “fundo-de-garrafa”, porém, fazia sucesso com algumas jovens mossoroenses, assim como o personagem “Silva” do saudoso comediante Chico Anísio. Levei na brincadeira e até hoje quando encontro os colegas da época, eles só se reportam a mim como “Silvão”, Isso não me desmerece, muito pelo contrário, recebo como uma forma carinhosa.

Recentemente um árbitro e um jogador de futebol foram recebidos pela Presidenta do país, em solidariedade ao racismo sofrido por ambos. Respeito o gesto achando uma grande bobagem. Dois adultos, pais de famílias se importado porque mangaram dos mesmos? Deviam seguir o exemplo de “Macaco”, um dos maiores mergulhadores que Areia Branca já teve, cujo fôlego debaixo d’água era de um digno super-homem. Nunca deu ouvidos ao seu sugestivo apelido (era bem parecido com um símio), e até hoje não sei o nome de batismo dele. Morreu sendo chamado de “Macaco” e nunca se importou com tal bobagem.


Hoje atingi a maturidade e quando encontro contemporâneos da ESAM não tem jeito, logo eles repetem a ladainha : ”Burra Preta”! “Diga aí Silvão”! E eu inabalável respondo como sempre: ”pois não”, “ao seu dispor”, ”tudo bem”? Alguns produtores familiares me chamam de “Grandão”, “Altão”, “Negrão”, etc. Vou me incomodar com esses sugestivos apelidos depois de ter levado toda uma vida convivendo com isso? Repito do alto da minha sapiência: bullying, que prefiro o nome “mangar”, foi feito para os fracos e bobos que se importam com essas brincadeiras, que geralmente originam apelidos impostos. Deu-lhes ouvidos (dar o cavaco)? O bullying lhes pegou. Vão-lhes mangar o resto de suas vidas. Bem feito. Quem mandou dar ouvidos?

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