Por Públio José, jornalista
Um pacote de
comerciais de televisão de um site de venda de produtos usados, utilizando
vários bordões de cunho popularesco e agressivo, vem conquistando a atenção de
telespectadores de todo o Brasil. O conteúdo produzido pela agência de
propaganda que criou a série de filmetes já gerou, pelo inusitado, até uma
interessante matéria analítica nas páginas da revista Veja. Realmente não é
fácil criar uma série de comerciais de televisão de viés jocoso, debochado,
agressivo – até ofensivo, como vem sendo empregado na propaganda em referência.
Até porque o tom insultuoso é direcionado ao consumidor, ao cliente em
potencial do site, ou seja, pessoas que têm um objeto usado qualquer, passível
de venda, ainda indecisas em se desfazer do tal objeto. Um ator, escondido do
pescoço para baixo, falando um texto curto, porém agressivo, dá voz à
mercadoria em efeito produzido em perfeita sincronização.
Para modificar a constrangedora situação, o ator/objeto/usado é expelido
de cena, tendo antes cumprido o seu papel: despertar no proprietário do objeto
usado o desejo de se desvencilhar dele o mais rápido possível – para tanto se
valendo, é claro, dos préstimos do anunciante. São vários os comerciais já
produzidos, cada um deles apresentando um texto diferente. O que tem feito o
Brasil se esbaldar é o que mostra o ator/objeto/usado chamando uma aturdida
senhora de “ordinária” e “inocente”. Diz ele, lá pras tantas: “ordinária, sabe
de nada, inocente!” No Brasil inteiro não se fala de outra coisa. De norte a
sul, de leste a oeste, do Oiapoque ao Chuí, tal fraseado é repetido à exaustão
nos mais diferentes ambientes, nas ocasiões mais diversas e por pessoas de
nível social de A a Z. Por quê? O que motiva o Brasil inteiro a celebrar um
conteúdo depreciativo, quando o normal seria censurá-lo e enviá-lo pras
cucuias?
Será pela simples irreverência da situação? Ou o brasileiro pratica uma
certa cafajestice inerente ao seu caráter? Teríamos, por aí, o tal “espírito
macunaímico”, de que falam os estudiosos? O “inocente”, por seu turno,
significaria indolência, omissão, alheamento? Macunaíma, célebre personagem de
Mário de Andrade, caracterizado como um “herói sem nenhum caráter” retrataria
também a índole “inocente” (omissa) como elemento da falta de caráter do povo
brasileiro? Afinal, a inocência em referência é falta de caráter? Independente
dessas análises de cunho sociológico, o fato é que o caráter dos comerciais tem
tudo a ver com o espírito debochado, cínico, desavergonhado de Macunaíma.
Valendo-se, então, do paralelismo entre a celebração ao comercial e outras
questões nacionais, pode-se inferir perfeitamente o motivo pelo qual o
brasileiro adota certos comportamentos.
Exemplos? Votar em macacos, rinocerontes, hipopótamos... E, por extensão,
em Malufs, Sarneys, Tiriricas – e assemelhados. Alguém pode achar tal
raciocínio exagerado, desproposital. Nelson Rodrigues não fez por menos ao retratar
a sociedade brasileira na peça cujo título diz tudo: “Bonitinha, mas
ordinária”. Ora, em um país cujos valores e princípios são espezinhados e
amarfanhados a tal ponto que ninguém enxerga neles início e fim; em um país
cujas principais lideranças políticas se enredam cada vez mais em atos de
corrupção e outras práticas condenáveis; em um país cuja onda de violência vem
atingindo níveis maiores do que em países em guerra civil; em um país cujas
promessas de governo nunca devem ser levadas a sério; em um país... Ufa! Em um
país assim, é natural soar engraçado o conteúdo que agride, que insulta. Mas,
acalmemo-nos todos, ordinários e inocentes (ou não)! A Copa vem aí!
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