“Senilidade: Imbecilidade provocada pela velhice que se manifesta habitualmente sob a forma de loquacidade...”.
Ambrose Gwinett Bierce (1842 - 1914)
Escritor norte-americano
Há dias reluto em escrever esta postagem... E a minha relutância não é por mero capricho ideológico não. Ela tem uma causa que, para mim, é pertinente. Ou seja, não me opus à primeira visita, embora espere que seja a última, do papa alemão Bento XVI visitar Cuba de 26 a 28 de março do corrente. Afinal, ele não deixa de ser um chefe-de-Estado, mesmo que o seja do Vaticano. Na verdade, o que me incomodou profundamente foi o presidente cubano Raúl Castro atender a uma solicitação do pontífice, formalizada durante a sua visita ao Palácio da Revolução, no dia 27. Resumindo: Raúl Castro declarou, em caráter excepcional, que em 2012, em Cuba, a sexta-feira da paixão – evento católico ocorrido neste ano no dia 6 de abril – seria uma data de “recesso laboral” no país. O fato, contudo, é considerado histórico, já que, desde a revolução de 1959, liderada por Fidel Castro e Che Guevara (1928 - 1967), médico e revolucionário argentino radicado em Cuba, quando o regime comunista ascendeu ao poder, todo e qualquer dia considerado santo da Igreja católica foi eliminado do calendário de feriados do país. O pior, entretanto, ainda estaria por vir: não satisfeitas com o agrado, digamos assim, concedido por Raúl Castro a Bento XVI, certas autoridades encaminharam “aos órgãos superiores” do governo cubano a determinação como sendo definitiva, já que se trata de um sinal de “respeito” aos católicos de Cuba e de “civilidade” por parte do seu governo. Traduzindo: daqui para frente, toda sexta-feira da paixão será considerada feriado nacional no país... Isso sem falar que, em 1997, já tendo, inclusive, por duas vezes, em 1996, se reunido com o então papa polonês João Paulo II (1920 - 2005), o então presidente Fidel Castro, igualmente em caráter excepcional, decretou feriado nacional o dia 25 de dezembro, dia de Natal. Detalhe: No ano seguinte, João Paulo II realizaria a sua primeira e única visita a Cuba, realizada de 21 a 25 e janeiro. Outro detalhe: após a visita do pontífice, a data, na ilha cubana, assumiu caráter permanente. Desse modo, o que me incomoda não é o fato de Cuba receber visitas papais, mas o governo do país determinar datas de natureza religiosa feriados nacionais. E não é porque sou ateia e comunista, embora, às vezes, nada simpatizante de certas políticas adotadas pelo regime cubano contra os direitos humanos. Ocorre que, a meu ver, nenhum país, sem exceção, deveria fazer de uma data considerada religiosa – qualquer que seja a religião – um feriado nacional. Para mim, que defendo a laicidade dos Estados, entendo que se os fiéis de não importa qual religião sentem a necessidade de comemorar uma ou mais datas que são exclusivas as crenças que consideram sagradas, que eles as comemorem como bem entenderem, sem problema algum. Sim, celebrem os seus dias festivos ou de oração livremente. Só que, detalhe, dentro das suas casas, das suas igrejas, dos seus templos, das suas mesquitas, dos seus terreiros ou do que quer que seja. O que não tem o menor dos cabimentos – nunca teve e nunca terá – é fazerem do Estado um instrumento para que, amparados por uma legislação qualquer, essas datas tornem-se feriados nacionais, sendo, por tabela, extensiva a todos – nada mais ultrajante! Quiçá, até mesmo um insulto para quem não comunga com a ideologia de nenhum tipo de religião. Isso sem falar que os feriados em si, mesmo os que não são de origem religiosa, nem deveriam existir. Afinal, param todo um sistema por algo que, em particular, não nos diz respeito, que nem o nosso campo magnético, digamos assim, chega a ultrapassar. Além do mais, que eu saiba, sábado e domingo foram feitos para descansar. Quer dizer, na maioria dos casos, levando em consideração, é claro, a natureza da profissão de cada um. É por isso que, para mim, não há nada que justifique um feriado. Enfim! No caso de Cuba, embora um caso à parte, ainda mais levando em consideração as particularidades e as especificidades da ilha, sobretudo depois da revolução de 1959, a flexibilidade do regime comunista já ultrapassou os limites de bom senso. Para começo de história, quando decretou feriado nacional o dia 25 de dezembro, dia de Natal, o camarada Fidel Castro, à época com 71 anos de idade, demonstrou não uma deferência a João Paulo II, a sua religião e à parcela católica do povo de Cuba, mas indícios de que algo já não ia bem com a sua sempre tão impecável lucidez. Digo “já” porque, agora, além de Raúl Castro – obviamente que com a autorização de Fidel – declarou a sexta-feira da paixão uma data de “recesso laboral” no país, o líder-mor da revolução cubana de 1959, no auge dos seus 85 aos de idade, expressou, em claro e bom som, o seu desejo de se encontrar com Bento XVI, que, aos 84 anos de idade, é o atual líder da maior religião do mundo per capita – desejo esse, inclusive, o de Fidel, que, além de descabido, já era, de há muito, de conhecimento do Vaticano, se dando, portanto, na sede da Nunciatura Apostólica de Cuba – sem dúvida alguma, solo considerado sagrado por Bento XVI.
O encontro do herege com o inquisidor
Foto: Reuters/Osservatore Romano
O líder cubano Fidel Castro e o Papa Bento XVI lavam as mãos nalgum recôndito perdido de Havana.
Não só me causou espanto e incredulidade certas declarações do presidente cubano Raúl Castro, após receber em mãos, aos pés de Sierra Maestra, ícone da revolução de 1959, o pacote enviado diretamente do Vaticano, que foi o papa Bento XVI, tipo dizer que o Vaticano e Cuba mantinham “estreitas relações” baseadas sempre no respeito mútuo e que havia “coincidências” na abordagem de ambos em relação a “muitos temas” – quais? –, bem como muito me fez pensar as motivações do vívido interesse de Fidel Castro em encontrar Bento XVI – seria, por acaso, uma curiosidade natural à idade dos dois, excluindo as prerrogativas da diplomacia, já que, octogenários, eles pertencem a uma mesma geração? Enfim! O fato é que o camarada Fidel parece não ter tomado conhecimento das declarações feitas por Bento XVI dias antes, quando ainda estava a bordo do avião que o transportava da Itália ao México, sendo uma delas a de que “o comunismo não funciona mais em Cuba” e que a Igreja católica estava pronta para ajudar a ilha a encontrar novas maneiras de avançar sem “trauma” – qual? Isso sem falar que, achando pouco, o pontífice prosseguiu – provavelmente se esquecendo de que se encontrava literalmente nas nuvens: — É evidente que, hoje, a ideologia marxista na forma como foi concebida não corresponde mais à realidade. (...) Novos modelos [econômicos?] devem ser encontrados com paciência e, de uma maneira construtiva, queremos ajudar.
Dias depois, já em Cuba, Bento XVI teve a ousadia de dizer que guarda no coração “as justas aspirações e desejos legítimos de todos os cubanos” e que visita o país na condição de “peregrino da caridade”. Ora! Desde quando Bento XVI é peregrino de alguma coisa, ainda mais da caridade, um termo cristão para designar assistencialismo, prática, aliás, que não combina com um regime comunista, visto que este prega a justiça social? Isso sem falar que tais palavras, saindo da boca de um homem cujo passado é mais nebuloso do que o tsunami que abalou o Japão em 2011, não combinam nem com ele, um verdadeiro paradoxo – a História não me deixa mentir –, já que – disso não esqueço nunca! – antes de ser nomeado ao mais alto cargo da hierarquia da Igreja católica, o atual Papa – o 8° de origem alemã e o 265° da História –, ou melhor, Joseph Ratzinger – nome de batismo de Bento XVI –, ficou à frente durante quase longos vinte e quatros anos (1981 - 2005), daquela que, hoje, como eu disse na postagem Trama macabra, publicada no meu blog no dia 6 de junho de 2009 (http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2009/06/7-em-1-trama-macabra-o-pior-cego-e.html), o Vaticano chama de moderna inquisição, que, aliás, além de mudar de nome algumas vezes, não tortura mais o físico e a mente do acusado, mas apenas a sua psique. À época, inclusive, quando aceitou ser inquisidor, indicado para o cargo por João Paulo II, de quem foi mentor intelectual durante o seu pontificado, de 1978 a 2005, Bento XVI era cardeal e ocupava o cargo de arcebispo de Munique, na Alemanha. O curioso, contudo, é que, apesar do passar dos tempos, as posturas de Ratzinger permanecem inalteradas, visto que, desde o início do seu pontificado, ele tem dado provas de que continua a pensar como inquisidor, não sendo aconselhável, portanto, lhe dar confiança. E isso vale, sobretudo, para Fidel Castro, que muito me admira ter feito questão de conhecer Ratzinger interpretando o papel de papa pessoalmente, ainda mais, não tenho dúvidas, quando ele conhece o curriculum vitae do homem com o qual findou por se encontrar em Havana e com quem, segundo a France Presse, manteve um intenso, cordial e animado diálogo que durou exatos trinta minutos – tempo suficiente para comunistas dos 4 cantos do mundo (inclusive eu) questionarem, com certa perplexidade, a quantas anda a lucidez de Fidel Castro. E só não peço perdão ao camarada pelas minhas insinuações porque o perdão é um sentimento cristão – coisa que, definitivamente, eu não sou.
As oportunidades criam-se mediante as circunstâncias...
E assim caminha a humanidade.
Nathalie Bernardo da Câmara
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