02 DE MARÇO: DIA NACIONAL DO TURISMO
“Viajar é fazer uma jornada para dentro de si mesmo...”.
Dena Kaye
Atriz norte-americana
Quem dera que a proposta da epígrafe desta postagem fosse levada ao pé da letra – não a ilustração –, corroborando o que os franceses chamam de une quête de soi même, ou seja, uma busca de si mesmo. Infelizmente, no caso do turismo no Brasil, sendo este, inclusive, o seu dia, aproveito o ensejo para, mais uma vez, revelar a face obscura da motivação de muitos estrangeiros que elegem o país para fazer turismo, bem como a de muitos brasileiros que se aventuram em seu próprio habitat. Ou seja, nada de buscar a si mesmo, num propósito que até poderia ser edificante para o turista, estrangeiro ou nacional, mas a busca por certos tipos de atrativos numa terra considerada fértil – nem preciso dizer fértil do quê... Assim, não querendo ser repetitiva, embora o seja, no que diz respeito ao quesito turismo sexual, sobretudo na iminência da realização da Copa de 2014 no Brasil, transcrevo parte de uma postagem que, inclusive, já publiquei por duas vezes neste blog, sendo a última publicação, portanto, datada de 22 de outubro de 2011.
A ROTA DA CÓPULA
“A carreira de prostituta é igual à de jogador de futebol:
chega uma hora que você tem de parar...”.
Gabriela Leite
Fundadora da ONG Davida
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“A esperança é um urubu pintado de verde...”.
Mário Quintana (1906-1994)
Poeta brasileiro
E de amarelo. Daí o sol ser para todos, bem podendo ser o slogan de uma campanha de publicidade sobre turismo no extenso e diversificado litoral brasileiro, com as suas belas praias, as suas paisagens paradisíacas, os seus frutos do mar e, por que não, os seus frutos da terra... O seu caloroso povo, por exemplo! Porém, O Sol é para todos – em inglês, To Kill a Mockingbird – é o título do único livro da escritora norte-americana Harper Lee, publicado em 1960 e vencedor do Prêmio Pulitzer, em 1961, e conta a história de um homem negro injustamente acusado de estuprar uma criança branca, sendo, ao final da história, absolvido.
Um tocante drama. Uma ficção. Final feliz. No entanto, diferentemente do livro, a realidade é inexorável e nem sempre culmina em um desfecho palatável aos nossos românticos corações, sendo, contudo, um drama. Muitas vezes, um terrível e doloroso drama. Alguns com voltas; outros não. O Sol é para todos, portanto, como o título já sugere, remete-nos ao próprio sol e a sua socialização, iluminando a todos sem distinção. No caso, ressaltando as cores de um Brasil multicor, afrodisíaco de natureza – fato que só estimula uma atividade econômica em contínuo, vertiginoso e pernicioso crescimento, que é a do turismo sexual no país.
E isso independentemente da faixa etária de quem o pratica, cuja origem, inclusive, é a mais diversificada possível. Sim, um turismo sexual não somente de fronteira ou de vizinhança, infra-regional, nacional ou doméstico, mas, sobretudo, internacional, com estrangeiros não somente injetando todo tipo de moeda na economia brasileira, mas, também, sonhos em mentes puras. E, enquanto o livro O Sol é para todos vendeu mais de trinta milhões de exemplares no mundo inteiro e foi traduzido para mais de quarenta idiomas, o turismo sexual no Brasil já proporcionou prazer a mais de trinta milhões de adeptos de mais de quarenta nacionalidades.
Ou seja, um sucesso de bilheteria, igual o filme homônimo que foi adaptado as telas a partir do livro de Harper Lee, que, dirigido pelo diretor norte-americano Robert Mulligan (1925 - 2008), abocanhou vários prêmios importantes, igual os partidários do turismo sexual, que costumam abocanhar não somente mulheres maiores, adultas, aliciadas ou autônomas – é preciso saber distinguir –, mas, também – o mais grave –, adolescentes e crianças. Pior! Nem sempre são elas que decidem, imaturas que são para compreender a gravidade de vender o próprio corpo em sua idade.
O mais escandaloso é que elas acham a função
o jeito mais fácil de ganhar dinheiro. Isso quando,
por vários motivos, não são coagidas a fazê-lo
– prática que viola direitos humanos fundamentais...
1997. Praia de Ponta Negra, Natal, Brasil. Caminhando à beira-mar com um amigo que havia chegado da Itália, fomos surpreendentemente abordados por duas, três garotas, sumariamente vestidas. Novinhas, novinhas. De repente, sem que menos esperássemos, uma delas propôs um programa ao meu amigo, que recusou. Ela insistiu. Ele, mais uma vez, disse não! A garota, então – só pode ter pechinchado –, argumentou que dormiria com ele por apenas R$ 1,00, contanto que ele pagasse. Perplexo, o meu amigo retrucou, dizendo que até daria R$ 1,00 ou mais, se necessário, contanto que ela fosse para casa e não fizesse mais aquilo. Contrariada, a garota deu as costas e foi embora com as colegas. Nós? Perplexos com a situação... E que situação!
Made in Brazil
A revista Caros amigos, de junho de 2009, traz uma reportagem intitulada Degradação e violência no tráfico de mulheres, segundo a qual “o Brasil é um país predominantemente ‘fornecedor’ de pessoas para o tráfico”. Ainda segundo a reportagem, a Pesquisa Sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes Para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil - Pestraf, organizada pelas sociólogas Maria Lúcia Leal e Maria de Fátima Leal, mas que contou com participação de diversos pesquisadores de todo o país e foi realizada em 2002, localizou “241 rotas de tráfico no Brasil, sendo 131 delas com destinos internacionais”.
Para a socióloga Maria Lúcia Leal: “De repente, a sociedade foi surpreendida com um dado dessa natureza, que vai contra a dignidade humana. Tráfico de pessoas em pleno século 21”. De acordo com informações fornecidas pela pesquisadora, a repórter Carolina Rossetti registrou que ”uma das imagens mais comuns associadas ao país é o tríplice clichê: praia, futebol e mulher bonita. Esse estereótipo está presente no imaginário dos estrangeiros que visitam o Brasil em busca do turismo sexual, em especial nas cidades litorâneas”. A pesquisa revela, também, o perfil das mulheres em situação de tráfico.
Comprovou-se que elas pertencem “as classes mais populares, com baixa escolaridade, moram nas periferias”, muitas vezes morando com familiares, além de terem filhos e algumas já com experiência no ramo. “Outras trabalham em serviços mal remunerados, sem carteira assinada, sem garantia de direitos, em funções subalternas com alta rotatividade, sem perspectiva de ascensão social e melhoria da qualidade de vida”, sendo as que mais despontam nas pesquisas as “afrodescendentes, com idade entre 15 e 25 anos”, com as adultas liderando o ranking no tráfico internacional e as adolescentes as mais procuradas para suprir o mercado interno.
Porém, Maria Lúcia adverte que não se deve associar pobreza à exploração sexual, embora reconheça que situações precárias potencializam o tráfico: “Se uma mulher sai daqui [do Brasil] para exercer a prostituição, não significa que ela está em uma situação de tráfico, que ela está sendo explorada ou violada. O que ocorre é que estão se fazendo grandes generalizações”. E finaliza, apontando, segundo a reportagem, “a deficiência da legislação nacional que da forma em que está redigida não faz diferenciação entre a prostituição autônoma e a prostituição forçada”, apontando a Europa e os Estados Unidos como os principais receptores do fornecedor Brasil.
É preciso combater a exploração sexual de crianças,
adolescentes e adultos por homens,
embora não se descuidando de que também
tem mulheres que praticam e estimulam
o turismo sexual, independentemente de faixa etária.
Outras são aliciadoras, agindo em nome de outrem,
corrompendo, inclusive, por inspirarem confiança,
membros da própria família, o que dificulta
a prisão dos verdadeiros mandantes das máfias
de tráfico de seres humanos.
... Tráfico de seres humanos... A versão moderna da escravidão. E com diferentes propósitos. Um deles, a indústria do sexo, a forma mais disseminada, denunciada e abominável de todos os tráficos. E foi sobre exploração sexual que optamos por falar. Estamos falando. Segundo documento da Organização Internacional do Trabalho - OIT, intitulado Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, os traficantes de seres humanos visam não somente mulheres adultas – a maioria –, crianças e adolescentes, mas, também, embora em menor número, homens...
Um fenômeno mundial e preocupante, o tráfico de seres humanos. Não é à toa que organizações internacionais, governamentais e não-governamentais estão se unindo, a fim de coibir esse crime. A Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, por sua vez, conhecida como Convenção de Palermo, define que a exploração inclui, no mínimo, “a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares, a servidão ou a remoção de órgãos”.
A OIT diz, ainda, que é um equívoco apontar a pobreza como causa exclusiva do tráfico de seres humanos. A pobreza nada mais seria, de acordo com a instituição, um dos fatores circunstanciais que favorecem o tráfico. As raízes do problema residiriam mais na “demanda pela exploração de seres humanos do que nas características das vítimas. Essa demanda vem de três diferentes grupos: os traficantes, os empregadores inescrupulosos que querem tirar proveito de mão-de-obra aviltada e, por fim, os consumidores do trabalho produzido pelas vítimas.
Ainda no documento da OIT, um outro, elaborado em 2000 para a Organização das Nações Unidas - ONU, diz, nas palavras da relatora especial para a Violência Contra a Mulher, Radhika Coomaraswamy, que “a globalização pode ter conseqüências graves (...) em termos de erosão dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais em nome do desenvolvimento, da estabilidade econômica e da reestruturação da macroeconomia”. Para Coomaraswamy, “a pobreza faz com que as pessoas se submetam as ações dos traficantes por força da necessidade de sobrevivência”.
E a relatora prossegue: “Assim como a pobreza, a falta de meios de garantir a subsistência a curto e médio prazo e de perspectivas de ascensão social impulsiona as vítimas nas direção dos traficantes”. Detalhe...
“A percepção da mulher como objeto sexual,
e não como sujeito com direito à liberdade,
favorece toda forma de violência sexual”.
O documento diz, ainda, que “o turista sexual pode interessar-se por mulheres ou adolescentes do local e, ao retornar ao seu país de origem, mantém o elo com o agente que arranjou o pacote turístico inicial e com a mulher ou adolescente até que ela seja enviada ao seu encontro ou, ainda, retorna de suas férias levando a mulher. Uma vez no país de destino, algumas vítimas são mantidas confinadas sob o disfarce de um casamento, ou de uma relação estável, e outras são colocadas no mercado do sexo local”. Como se vê...
“A escravidão não é um fenômeno social
que ficou em um passado distante...”.
Caros amigos, junho de 2009
Segundo Carolina Rossetti, repórter do periódico mencionado acima, “inúmeras formas de escravidão moderna geram grande volume de dinheiro para o crime organizado de tráfico de pessoas. É difícil precisar números exatos, justamente devido à ilegalidade com que essas máfias atuam, que contam com empresas de fachada para lavar o dinheiro do mercado de seres humanos”. E cita um relatório da OIT: “o lucro anual produzido pelo tráfico de pessoas gira em torno de US$ 32 bilhões, riqueza gerada pela exploração do corpo e da força-trabalho dos traficados”.
A reportagem registra, ainda, que, atualmente, “pela estimativa da OIT, são 2,4 milhões de seres humanos traficados no mundo”. Ninguém merece! Só que, segundo a reportagem da revista Caros amigos, “o Brasil foi uma das nações a assinar o Protocolo de Palermo e, em 29 de maio de 2003, o conceito ali disposto foi aprovado pelo Congresso Nacional, resolução n° 231, e, posteriormente, promulgado pelo decreto n° 5.107, em 14 de março de 2004, tornando-se lei ordinária federal, em âmbito nacional”. Que seja feita, então, a vontade dessa lei ordinária federal...
Nathalie Bernardo da Câmara
http://edsonjnovaes.wordpress.com/2014/02/28/dia-nacional-do-turismo/
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