ERA UMA VEZ UM GATO...
“Gatos não morrem: mais preciso – se somem – é dizer que foram rasgar sofás no paraíso e dormirão lá, depois do ônus de sete bem vividas vidas, seus sete merecidos sonos...”.
Nelson Ascher
Poeta, tradutor e jornalista brasileiro
Tempos atrás, durante uma temporada que passei em Baía Formosa, litoral do Rio Grande do Norte, decidi criar um gato. Com uma vasta experiência no universo felino e apreciadora do mesmo, melhor companhia não poderia haver. Dei-lhe, portanto, o nome de Saramago, uma homenagem ao escritor que eu tanto admirava. Não somente pelos seus escritos, mas, sobretudo, por sua porção humana, delicadamente humana, que, inclusive, a título de curiosidade, também possuía um gato, chamado Camões... Ora, é público e notório que a maioria dos escritores simpatiza com os gatos e possui nem que seja um. Em alguns casos, muitos chegam até mesmo a homenagear um colega de ofício dando ao bichano o seu nome. Enfim! Longe da dita civilização, passei inúmeros momentos aprazíveis com o gato Saramago, que, invariavelmente, se ocupava em me distrair com as suas estripulias, vez ou outra, provavelmente carente, pulando na minha cama e se aninhando em meus lençóis, buscando, como todo ser vivo, calor e afeto.
Certo dia, contudo, dei por falta do gato Saramago, que havia desaparecido. Preocupada, sai a sua procura, esperando encontrá-lo são e salvo, mas... Em vão! Pensei, então, nas possibilidades plausíveis para o seu desaparecimento e apenas três me pareceram razoáveis: ou ele havia pulado para cima do muro, de onde costumava brincar com os limões do limoeiro da casa do vizinho – uma das suas distrações – e terminou caindo, logo sendo tragicamente devorado pelos cães ferozes que o mesmo vizinho criava, ou havia sido roubado, simplesmente por ruindade, como se diz no Nordeste, por algum desocupado qualquer. Quiçá, pego até mesmo, sem nenhuma maldade, por alguma criança, fascinada por sua beleza siamesa e pelas gracinhas que gostava de fazer, já que uma das características dos gatos, sobretudo quanto têm dono, é que eles são exageradamente lúdicos. E foi exatamente a porção lúdica do gato Saramago, além da sua agradável companhia, que me fizeram falta durante o resto do período em que passei na praia.
Não obstante, tempos depois – eu já havia deixado o meu aprazível refúgio –, tomei conhecimento, meramente por acaso, que uma professora, moradora local, criava um gato siamês de nome... Saramago... Confesso, contudo, que, de cara, não acreditei, porque, afinal – questionei –, como era possível, no fim do mundo que é Baía Formosa, duas pessoas darem aos seus gatos o nome de um mesmo escritor e, no caso, um escritor português? Intrigada, não hesitei em investigar a respeito e fiquei sabendo que o gato da professora havia sido encontrado em uma ladeira da cidade e, em seu pescoço, havia uma plaqueta de identificação com o seu nome, ou seja, Saramago. Fiquei pasma, não acreditando na história, para lá de inverossímil, aliás, sem que eu lhe conferisse algum tipo de credibilidade. E persisti, portanto, em meus questionamentos, já que, no meu gato Saramago eu nunca havia, no caso, posto uma plaqueta de reconhecimento no seu pescoço – coisa que, inclusive, nunca me passou pela cabeça. Sem falar que ele nem saia de casa sem mim.
Enfim! Ou o gato da professora era o meu gato, mas que o tiraram de mim – não ela, mas outra pessoa – e, para eu não lutar por sua guarda, reivindicando os nossos direitos, os meus e os dele, quem me passou a informação inventou esse papo de plaqueta, já que tal pessoa sabia que o meu companheiro não usava nenhuma, ou a professora, que é igualmente uma mulher culta, teve, em uma daquelas raras coincidências, a mesma idéia que eu, sendo, portanto, essa história do gato dela ter sido encontrado numa ladeira portando uma medalha ou sabe-se lá o quê que o identificava, uma mera e dispensável tentativa de intriga. Bom! O fato é que, desde o seu desaparecimento, nunca mais vi o meu gato Saramago. Vai ver, o gato da professora é outro mesmo, apesar de também siamês e com o mesmo nome do meu. Vai ver, ainda, que, de fato, o meu gato Saramago sumiu – igual acontece a todos os gatos domésticos quando pressentem que algo de ruim está para acontecer aos seus donos. Eles simplesmente desaparecem. E do nada.
E não porque não querem estar por perto quando um suposto acontecimento grave possa envolver os seus donos. Eles apenas, como eu disse, desaparecem. Quiçá, protegendo, com o seu encantamento, quem os protegem. E não somente eu digo isso não, mas todos aqueles familiarizados com o universo felino. Afinal, não costumam dizer que os gatos são místicos? O fato é que me lembrei dessa história antes de ontem e, quando foi ontem, recebi um belíssimo e-mail, com direitos a slides, sobre a história de vida do escritor Saramago, decidindo, assim, escrever a respeito desse episódio envolvendo o gato que batizei com o nome do ilustre português. Tal lembrança, contudo, me reportou ao terceiro texto que postei neste blog no dia 20 de fevereiro de 2009. Intitulado Gatos e homens, o referido texto é dividido em duas partes: Gatolândia e Os Escritores, os livros e os gatos – cuja relação e interação, aliás, é, historicamente, para lá de amistosa. Tanto que publicarei uma versão revisada e atualizada do mesmo na seqüência deste.
PS. A título de curiosidade... Alguém sabia que o escritor José Saramago era fã incondicional da personagem Garfield, o gatinho preguiçoso, guloso, manhoso, metido a intelectual, mas, na verdade, um bon-vivant criado pelo cartunista norte-americano Jim Davis?
Nathalie Bernardo da Câmara
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Aceita-se comentários...