sexta-feira, 30 de março de 2012

O BRASILEIRO CAI NO CHORO


 Foto: Rubens Américo/O Cruzeiro/D.A. Press - anos 1950

“Ademilde está para o choro como Pelé está para o futebol...”.

Alexandre Moreira
Bandolinista brasileiro que, em abril, acompanharia a intérprete no show que ela havia previsto para fazer em Natal. Moreira e outros músicos, como Fernando Botelho (violão de 7 cordas), Domício Damásio (violão) e Rafael Almeida (cavaquinho), estão planejando um show em homenagem à Ademilde no dia 24 de abril. Provavelmente, segundo ele, no Teatro de Cultura Popular da Fundação José Augusto, em Natal.


Na última quarta-feira, 28, o povo brasileiro teve de se confrontar com a perda de mais um dos seus artistas consagrados. Aos 91 anos de idade, quem nos deixou a chorar desta vez foi a divina e graciosa Ademilde Fonseca (1921-2012), mais conhecida como a Rainha do choro, tendo sido, inclusive, considerada a primeira cantora nordestina a divulgar o gênero no país e a popularizá-lo por toda parte. Natural de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, mais precisamente de um lugarejo chamado Pirituba, que, segundo ela, em um antigo depoimento, possuía, à época, apenas “umas poucas casinhas”. De Pirituba ao patamar da fama, contudo, muitas águas rolaram – e não somente as de março – para que, um dia, ela conquistasse o seu título de nobreza. O referido depoimento, por sua vez, parte integrante do volume 4 da coleção A Música Brasileira deste século [XX], por seus autores e intérpretes, lançado em 2000 pelo Sesc de São Paulo e pela Fundação Padre Anchieta, é apresentado pelo crítico musical brasileiro Moacyr Andrade, para quem, aliás, “Ademilde é a fixadora de uma das modalidades de maior aceitação de nossa música popular: o chorinho com letra”.

E tudo isso começou quando, em 1942, numa festa no Rio de Janeiro, o compositor, flautista e maestro Benedito Lacerda (1903 - 1958) solou Tico-Tico no fubá, de autoria do compositor e instrumentista Zequinha de Abreu (1880 - 1935), que a criou por volta de 1917, embora a letra, do dentista Eurico Barreiros, tenha sido criada apenas em 1931, ano em que foi gravada pela Orquestra Colbaz, do maestro Gaó (1909 - 1992), tendo sido provavelmente essa a gravação que, coincidentemente, então com cerca de dez anos idade, Ademilde conheceu e aprendeu a cantar. Não deu outra! Ademilde não somente cantou Tico-Tico no fubá, acompanhada pelo regional de Benedito Lacerda, como, por sua irrepreensível interpretação, logo se viu gravando a composição, em 78 rpm, nos estúdios da Columbia – futura Continental –, à época dirigida pelo compositor Braguinha (1907 - 2006). Regravada, portanto, a composição, a primeira com voz depois da morte de Zequinha de Abreu, Tico-Tico no fubá foi não somente o primeiro disco de Ademilde, mas, também, o seu primoroso cartão de visita, que, por si só, já lhe valia o título de nobreza, ou seja, de rainha do choro.

Enfim! Para quem “o brasileiro tem que tomar jeito”, se referindo ao pendor dos seus políticos pela corrupção, Ademilde diz que não chegou a pegar o cinema mudo, mas, quando menos esperou, “já estava no mundo”. Afinal, a música começou muito cedo na sua vida. Um dia, desafiando o establishment, além de se imiscuir num gênero tipicamente masculino, que era o choro, bem como nas suas animadas rodas, ela passou a cantá-lo, mas apenas porque, segundo o jornalista Eduardo Tristão Grião, era “dona de uma articulação vocal de impressionante habilidade”. Um dos registros mais célebres de Ademilde foi Brasileirinho, choro criado em 1947 pelo compositor Waldir Azevedo (1923 - 1980), chamado de o mestre do cavaquinho, cuja letra é de autoria de Ruy Pereira da Costa (1920 - ?). “A agilidade dela para acompanhar, com a letra, a melodia do cavaquinho em alta velocidade é impressionante”. Segundo Moacyr Andrade, “Ademilde Fonseca não tem sucessoras: ninguém chega perto da espantosa agilidade e do andamento realmente vertiginoso com os quais, sem perder um mínimo da perfeita dicção e do timbre viçoso, alterou a trajetória do choro”.


Em 1975, para homenageá-la, a antiga dupla João Bosco & Aldir Blanc inclusive compôs para ela o chorinho Títulos de nobreza - Ademilde no choro:



Instrumentos típicos do choro brasileiro (gênero, aliás, no qual todos os que lhe são ligados são chamados de chorão): violão de 7 cordas, violão, bandolim, flauta, cavaquinho e pandeiro.


A MPB está de luto? Está, mas, sobretudo, o povo brasileiro, que, literalmente, caiu no choro...

 
É, um mês sem graça alguma, março, já que, além das perdas de artistas brasileiros – não pretendo fazer do meu blog nenhum obituário –, eu, particularmente, quebrei o meu pé, passando, circunstancialmente, a andar de cadeira de rodas – episódio sobre o qual, inclusive, falarei no mês de abril, que, aliás, está na iminência de despertar.

Ah! Para quem aprecia...

Tico-Tico no fubá – Música de Zequinha de Abreu e letra de Eurico Barreiros, interpretada por Ademilde Fonseca:

Brasileirinho – Música de Waldir Azevedo e letra de Ruy Pereira da Costa (instrumental):

Brasileirinho – Interpretado por Ademilde Fonseca:

Camisa Listrada – Letra e música de Assis Valente (1911 - 1958), com interpretação de Ademilde Fonseca:


Nathalie Bernardo da Câmara



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Aceita-se comentários...