sábado, 17 de março de 2012

QUANDO AS LUZES VENCEM AS TREVAS...


Foto: divulgação

“Um filme que arranca dos personagens a realidade urbana da sociedade iraniana...”.

Marli Ribeiro
Jornalista brasileira, se referindo à película A Separação (Jodaeiye Nader az Simin), do cineasta iraniano Asghar Farhadi, que, além de ser o vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim 2011, conquistou também o Globo de Ouro e o Oscar, ambos em 2012, na categoria de melhor filme estrangeiro.


Segundo ainda a jornalista Marli Ribeiro, “ao assistir A Separação, temos a sensação de estarmos sendo manipulados pelos personagens que insistem manter suas posições. Este é o efeito que reforça o filme a ter um ar de documentário”. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, “o Irã, que mantém um rígido controle sobre a produção cinematográfica [do país], adotou uma postura de cautela sobre o sucesso do filme A Separação, alegando que filmes favorecidos pelos críticos mostram uma versão distorcida da República Islâmica”. Nesta semana, na segunda-feira, 12, sem maiores explicações, as autoridades iranianas proibiram a realização de um evento que iria homenagear o roteirista e diretor Asghar Farhadi por seu filme ter abocanhado o Oscar de melhor filme estrangeiro.

 
Foto: Divulgação


O Centro de Realizadores Iranianos de Cinema e o Alto Conselho dos Produtores do Cinema Iraniano em declaração encaminhada a Farhadi, lamentaram o cancelamento da homenagem mencionada, já que, por sua esquizofrenia sabe-se lá de qual natureza, as autoridades do Irã proíbem eventos públicos não comunicados previamente ao governo: “Pretendíamos fazer uma reunião simples e amistosa para dizer ‘obrigado’ pelo grande feito que você legou ao Irã e ao cinema iraniano, mas os guardiões culturais [do país] não nos deixaram fazê-lo. Sentimos muito”, constou da declaração. Farhadi, por sua vez, não se posicionou a respeito. E o cinema iraniano limitou-se a contabilizar mais um triste episódio na sua já tão conturbada relação com a censura do país.

Uma barbaridade, tchê!, como diriam os gaúchos, no Brasil, que, felizmente, se encontra bem longe das fronteiras do ensandecido Irã. Não dos seus artistas, obviamente, mas das suas autoridades, que insistem em práticas anacrônicas no seu relacionamento com as artes do país de um modo em geral, sobretudo no que concerne aos direitos humanos inerentes não somente a sua classe artística, mas, também, a todo povo iraniano. Farhadi, que, até janeiro, era membro do coletivo independente de produção cinematográfica Casa do Cinema (House of Cinema), fechada pelas autoridades iranianas? Mais um cidadão – no caso, mais um cineasta – a se indispor com o governo do Irã, a exemplo de Jafar Panahi, condenado a seis anos de prisão domiciliar e impedido de filmar durante 20 anos.

Uma curiosidade, contudo, a respeito do Oscar de melhor filme estrangeiro que recebeu A Separação, merece ser comentada. Ou seja, apesar de Farhadi e o seu filme terem sido aplaudidos pelas autoridades iranianas, já que no entendimento destas últimas a premiação em questão elevou a cultura iraniana fora do seu país, particularmente nos Estados Unidos, além da obra do iraniano se impor a de um israelita, que concorreu na mesma categoria, o evento a ser realizado no Irã na segunda-feira passada, que iria homenagear o cineasta premiado, foi simplesmente vetado, deliberadamente, apenas reforçando a hipocrisia do governo do país. Afinal, apesar de evidenciar o cinema iraniano no exterior, o fato é que autoridades linha-dura do Irã engoliram a seco certas temáticas do filme.

Isso sem falar – é público e notório – da repressão que, historicamente, o governo do Irã exerce sobre os seus artistas, no caso, os cineastas politicamente engajados (muitos dissidentes), acusados pelas autoridades do país – nenhuma surpresa – de serem influenciados e corrompidos pela cultura ocidental em detrimento da islâmica. Tanto que muitos cineastas – roteiristas, diretores etc – já foram presos ou fugiram do país. O fato é que, apesar da boa recepção mundial – a doméstica é duvidosa – de A Separação, há quem especule que o diretor venha sofrendo represálias de autoridades iranianas descontentes com alusões implícitas no filme aos desmandos do mandato presidencial de Mahmoud Ahmadinejad. Enfim! A Separação é a prova de que a arte é possível até em tempos sombrios.


Isto não é Genebra



Foto: Divulgação (Jafar Panahi em cenas do documentário Isto não é um filme [This is not a film]).

“Preferimos ser homens livres a heróis prisioneiros. Não somos combatentes políticos. Somos realizadores...”.

Mojtaba Mirtahmasb
Co-realizador iraniano, juntamente com Jafar Panahi, de Isto não é um filme, 2010, cuja estreia no Brasil está prevista para este mês.


Irã, um país onde a liberdade de expressão inexiste. Exemplo disso foi que, em 2009, um dos mais consagrados cineastas iranianos, Jafar Panahi, sentiu o peso inconteste da censura do governo do seu país quando, detido sob acusações de participar de um movimento oposicionista contra a reeleição – tudo indicava, fraudulenta – do presidente Mahmoud Ahmadinejad, foi proibido de deixar o país e o seu passaporte suspenso. As autoridades, por sua vez, ao prender Panahi, provavelmente devem ter pensado que, em consequência de medida tão extrema, conseguiriam reprimir a manifestação da sua criatividade artística. Ledo engano! De qualquer forma, desde então, cineastas de todo o mundo mobilizam-se a favor de Panahi, que se tornou um símbolo da luta pela democracia no Irã.

Em 2010, novamente preso e mais uma vez por ser acusado de apoiar a oposição, Panahi foi levado ao presídio Evin, um centro penitenciário ao norte de Teerã, conhecido por abrigar presos políticos e marcado por acusações de tortura contra os detentos. Durante sua estadia em Evin, o próprio cineasta enviou uma mensagem relatando maus-tratos para Abbas Bakhtiari, compositor iraniano e diretor do Centro Cultural Pouya, uma organização para difusão da cultura iraniana, cuja sede fica em Paris, que, inclusive, por discordar do regime islâmico, deixou o Irã em 1983 e nunca mais voltou. O drama de Panahi, contudo, só tendia a aumentar, já que, ainda em 2010, foi pronunciada a sentença do cineasta: 06 anos de prisão e 20 proibido de filmar, não podendo exercer a sua arte.

Para Bakhtiari, a decisão da Justiça iraniana foi uma tentativa de controle do livre pensamento do cidadão Panahi e de intimidar quem se opuser ao regime político antidemocrático do Irã – coisa de fracos, eu diria, que, diante da ausência de argumentações plausíveis para não importa qual questão, recorre à censura para manter um poder calcado na repressão, cujo principal objetivo é o de desrespeitar os direitos humanos. Enfim! Segundo ainda Bakhtiari, “os problemas do cinema iraniano vêm crescendo”. Quando, por exemplo, em janeiro, foi fechada a Casa de Cinema, “vinte e quatro associações internacionais de cinema emitiram um apelo contra essa decisão”, disse, à época, o compositor iraniano, acrescentando que “o governo atual torna as coisas cada vez mais negras”.

Bom! No dia 18 de dezembro de 2010, logo em seguida a sentença da Justiça iraniana, Panahi entrou com um recurso para tentar rever sua condenação. Porém, em outubro de 2011, a decisão foi mantida, embora, até hoje, ninguém tenha aparecido para prendê-lo. Desde então, portanto, ele segue recluso, em casa, onde exatamente estava quando, juntamente com o colega cineasta Mojtaba Mirtahmasb, fez Isto não é um filme. Porém, “no caso de Mojtaba, a situação é outra. Ele foi preso em setembro [de 2011], dentro do aeroporto de Teerã, antes de embarcar para Paris. Ficou detido por 84 dias, foi torturado psicologicamente e perdeu 18 quilos. Ele está identificado na Justiça como um espião e porta-voz de oposição. Agora, espera pelo julgamento”, conta Bakhtiari.




Panahi, por sua vez, diz, com bom humor, que o governo o proibiu de dirigir, mas não o proibiu de atuar na frente das câmeras. No fim, quando sobem os créditos do documentário Isto não é um filme – um dia da rotina de Panahi no seu apartamento, em Teerã – todos os campos, do roteiro aos agradecimentos, aparecem em branco. Sem autorização do governo, obviamente, o filme deixou o Irã de forma misteriosa, mas a tempo de ter uma sessão especial no Festival de Cannes, em maio de 2010. Curiosamente, apesar de Bakhtiari, responsável, através do Centro Cultural Pouya, do qual é diretor, da divulgação, mundo afora, do referido documentário, não dizer, por questões de segurança, como o filme deixou o Irã, embora o seu sucesso seja de grande ajuda para os cineastas.

Segundo o site do Cinemax, a realização de Isto não é um filme só foi possível devido a uma falha na pena imputada a Panahi, que, por isso, aproveitou para dá vazão ao seu processo criativo. Assim, na sequência, que, em si, já é um filme, o documentário foi contrabandeado para fora do Irã gravado num pen drive e escondido dentro de um bolo, chegando a Cannes no início de 2011. Participando de alguns festivais, foi exibido em Portugal. Infelizmente, quando Mojtaba ia promover o seu filme na França e em Toronto, no Canadá, foi proibido de deixar o Irã, tendo o seu passaporte, a bagagem, o computador portátil e os blocos de notas confiscados. Tudo indica, portanto, que a polêmica relacionada ao filme que mais é um grito desesperado de socorro “está longe de chegar ao fim...”.

De qualquer modo, sobre Panahi, o seu cinema e os dramas decorrentes do seu engajamento político, publiquei, em 2011, algumas postagens neste blog. Foram elas: Cinema mudo, no dia 20 de janeiro (http://abagagemdonavegante.blogspot.com/2011/01/cinema-mudo-as-contribuicoes-do-ira-ao.html), e, no dia 22 de janeiro, Panahi: retrospectiva IAdeus as ilusões? (http://abagagemdonavegante.blogspot.com/2011/01/panahi-retrospectiva-i-adeus-as-ilusoes.html); Panahi: retrospectiva IIPersona non grata? (http://abagagemdonavegante.blogspot.com/2011/01/panahi-retrospectiva-ii-persona-non.html) e Panahi: retrospectiva IIIFora do jogo? (http://abagagemdonavegante.blogspot.com/2011_01_01_archive.html).

Enfim! Símbolo da luta pela democracia no Irã, Panahi, além do também cineasta iraniano Mahamad Rasoulov, ambos condenados pelo Tribunal de Justiça de Teerã, têm recebido o apoio e a solidariedade de cineastas, atores, escritores, editores e demais personalidades de todo o mundo, que, num afã sem precedentes, se mobilizaram e têm feito circular uma petição para que a liberdade de ambos seja restituída, já tendo assinado o documento mais de 17.000 mil pessoas, subscrevendo um texto que termina com a frase: “Queremos também conhecer a situação exacta em que se encontram Jafar Panahi e Mahamad Rasoulov e acreditar que ainda é possível modificar o curso das coisas, de modo a garantir a liberdade e os direitos fundamentais de ambos”.


Abaixo, o link para que VOCÊ também participe desse gesto em prol da democracia no Irã e pela liberdade de pensamento e de expressão não somente dos seus artistas, mas, também, de todo um povo que vive sob o jugo de um déspota, que é o presidente Mahmoud Ahmadinejad, e de demais autoridades iranianas cuja muleta – podre, aliás – é a censura, a repressão e a força bruta para tentar negar o direito do iraniano a direitos humanos e ao pleno exercício da sua cidadania.



Por fim, os nomes de parte dos signatários da referida petição: Fatih Akin, Denys Arcand, Dario Argento, Olivier Assayas, Robert Badinter, Russel Banks, Nathalie Baye, Marco Bellocchio, Lucas Belvaux, Bertrand Bonello, Pascal Bonitzer, Claude Brasseur, Catherine Breillat, Sophie Calle, Laurent Cantet, Philippe Carcassonne, Jean-Claude Carrière, Patrice Chéreau, Philippe Claudel, Jérôme Clément, John M. Coetzee, Francis F. Coppola, Costa-Gavras, David Cronenberg, Alfonso Cuaron, Joe Dante, Luc et Jean-Pierre Dardenne, Antoine de Caunes, Alain Delon, Jonathan Demme, Guillermo del Toro, Catherine Deneuve, Claire Denis, Arnaud Desplechin, Emmanuelle Devos, Maria de Medeiros, Carlos Diegues, Olivier Ducastel, Bruno Dumont, Atom Egoyan, Victor Erice, Philippe Faucon, Pascale Ferran, Abel Ferrara, Laurence Ferreira Barbosa, Milos Forman, Eric Gautier, Terry Gilliam, Romain Goupil, André Glucksmann, Michel Gondry, James Gray, Eugene Green, Pascal Greggory, Françoise Hardy, Monte Hellman, Laurent Heynemann, Walter Hill, Michael Hodges, Hong Sang-soo, Christophe Honoré, Isabelle Huppert, Alejandro Gonzalez Iñarritu, Otar Iosseliani, Gilles Jacob, Jean-Pierre Jeunet, Alejandro Jodorowsky, Arthur Joffé, Terry Jones, Marin Karmitz, Peter Kassovitz, Darius Khondji, Aki Kaurismäki, Georges Kiejman, Yannis Kokkos, Harmony Korine, Jan Kounen, Philippe Labro, Bruce LaBruce, Joachim Lafosse, John Landis, Claude Lanzmann, Eric Lartigau, Thierry Lhermitte, Michel Leclerc, Marc Levy,David Lynch, Jim McBride, Tonie Marshall, Jacques Martineau, Chris Marker, Matilda May, Mike Medavoy, Helen Mirren, Patrick Modiano, Jeanne Moreau, Yolande Moreau, Yousry Nasrallah, Jean-Luc Nancy, Marie NDiaye, Olivier Nora, Dominique Noguez, Michel Ocelot, Bulle Ogier, François Ozon, Katherine Pancol, Raoul Peck, Sean Penn, Lucian Pintilie, Marie-France Pisier, Rafi Pitts, Sam Raimi, Jean-Paul Rappeneau, Carlos Reygadas, Jacques Rivette, Christian Rouaud, Walter Salles, Pierre Salvadori, Gus Van Sant, Riad Sattouf, Marjane Satrapi, Paul Schrader, Jerry Schatzberg, Barbet Schroeder, Bertrand Tavernier, Pablo Trapero, Djamshed Usmonov, Agnès Varda, Sandrine Veysset, Lars Von Trier, Apichatpong Weerasethakul, François Weyergans, Jia Zhang-Ke, Nathalie Bernardo da Câmara…



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