SOMBRAS DO PASSADO...
“No Brasil de hoje, os cidadãos têm medo do futuro, enquanto os políticos têm medo do passado...”.
Chico Anysio (1931 - 2012)
Humorista, ator, escritor e pintor brasileiro
Há exatos 48 anos atrás, o tempo fechou no Brasil. Afinal, com o golpe militar deflagrado no dia 31 de março de 1964, planejado antecipadamente com certa astúcia e contando com o apoio incondicional do governo dos Estados Unidos – nenhuma surpresa! –, teve início um dos períodos mais sombrios da História do país, cujo término, pelo menos aparentemente, deu-se mais de duas décadas depois – ufa! –, mais precisamente no ano de 1985. Enfim! O fato ocorreu mais ou menos assim... Em 1983, tendo sido eleito deputado federal pelo Mato Grosso no ano anterior, o engenheiro civil Dante de Oliveira (1952 - 2006) elaborou a Proposta de Emenda Constitucional nº 5, que, se aprovada, restabelecia as eleições diretas para presidente da República em 1984. Porém, para a infelicidade quase geral da nação, a Emenda Dante de Oliveira, como a referida proposta ficou popularmente conhecida, tendo, aliás, por seu teor, desencadeado o movimento civil e democrático Diretas já!, foi – não sem surpresas – derrotada por uma manobra política articulada pelo regime militar. Em seu lugar, contudo, foi instituído um colégio eleitoral, que, por sua vez, no dia 15 de janeiro de 1985, elegeu, indiretamente, o ex-governador de Minas gerais, o advogado Tancredo Neves (1910 - 1985), para presidente do Brasil.
Porém, no dia 14 de março, na véspera de tomar posse, Tancredo sentiu fortes e insuportáveis dores intestinais e teve de ser internado às pressas no Hospital de Base de Brasília, sendo submetido a uma cirurgia de urgência para a retirada de um tumor benigno do abdômen. Nesse ínterim, conforme estava previsto, o político maranhense José Sarney, que também havia sido eleito por via indireta como vice-presidente, não se fez de rogado e foi empossado no lugar de Tancredo, lendo, inclusive, o discurso previamente escrito pelo titular do cargo, no qual ele pregava a conciliação nacional e a instalação de uma assembleia nacional constituinte. Sarney, contudo, teria ficado à espera do pleno restabelecimento do mineiro de São João Del Rei para lhe transmitir o trono. Infelizmente, diante de um processo inflamatório que havia se instalado no seu aparelho intestinal, o quadro clínico de Tancredo complica-se – muitos não acreditaram e continuam não acreditando nessa versão –, sendo ele transferido para o Hospital das Clínicas, em São Paulo, onde, após uma sequencia de novas cirurgias e de uma longa agonia, decidiram desligar os aparelhos de circulação e respiração artificiais que o mantinham em estado vegetativo e ele literalmente faleceu, embora tenham dito que ele morreu por causa de uma infecção generalizada.
Oficialmente, contudo, ou, quem sabe, por interesses escusos, o motivo da morte daquele que poderia ter sido o primeiro presidente civil eleito após o golpe de 64 foi divulgada como sendo diverticulite. Curiosamente, o dia escolhido para a eutanásia de Tancredo Neves – essa é a verdade dos fatos –, já que os aparelhos que o mantinham em coma foram desligados deliberadamente, foi o 21 de abril, exatamente o mesmo dia, embora no ano de 1792, em que esquartejaram o dentista e alferes Joaquim José da Silva Xavier, nascido em 1946 e mais conhecido como Tiradentes, oportunamente, inclusive, alçado à condição de mártir da Inconfidência Mineira, eclodida em 1789. Coincidência, não é? Enfim! Com a morte de Tancredo Neves, não nos restou que engolir a seco a manutenção de Sarney no cargo de presidente do Brasil. Em 1988, contudo, uma nova constituição é aprovada para os brasileiros, a qual, aliás, além de determinar a realização de eleições diretas para presidente da República em 1989 e de estabelecer princípios ditos democráticos para o país, era igualmente um instrumento que, legalmente, apagava os rastros deixados pela ditadura militar no Brasil, ressaltando que, à época, isso foi dito por certas pessoas que não valem confiança alguma nem, muito menos, o chão que pisam. Na verdade, essas pessoas só queriam engabelar o povo brasileiro.
E não é que elas tinham razão! Não em relação a conseguirem enganar a todos nós, mas ao dizerem que os rastros deixados pela ditadura militar seriam apagados. Tanto é que, depois do dia 18 de novembro de 2011, quando foi sancionada por la presidenta Dilma Rousseff a lei que criou a Comissão Nacional da Verdade com o objetivo de investigar crimes contra os direitos humanos cometidos durante a ditadura militar, o que todos têm visto é a tentativa, por parte dos militares e daqueles que, direta ou indiretamente, apoiaram o seu regime nada democrático, de boicote à toda e qualquer inciativa que vise o acesso, por parte dos membros da referida comissão, a documentos que possam contribuir com a investigação desses crimes – isso quando eles não tentam obstruí-la. O fato é que, com essa chaga que foi a ditadura militar no Brasil, muitos foram vítimas das sandices de celerados que, a ferro e ferro, detinham o poder, não restando ao povo brasileiro que rezar – deve advir daí o fervor da sua religiosidade – para que todos os que geriam ou davam sustentação ao regime, do general ao torturador, não se esquecendo, obviamente, dos congêneres, desaparecessem num piscar de olhos, ou melhor, da noite para o dia, igual eles fizeram quando impuseram a instauração de um dos mais tenebrosos períodos históricos pelo qual o Brasil já passou.
“Rezar” foi demais, não? E logo eu dizendo isso... Quem sabe não teria sido mais pertinente ter dito testemunhar – e em silêncio –, ou melhor, se fazer de cego diante das atrocidades cometidas por tão gentis homens de fardas, bem como diante da derrocada paulatina que eles destinaram à democracia no país?
Enfim! Na quinta-feira, 29, durante um debate na sede do Clube Militar do Rio de Janeiro, cujo agradabilíssimo tema era o golpe militar – não revolução, como, distorcidamente, continua sendo dito nas casernas – que surpreendeu o Brasil no dia 31 de março de 1964, deixando o país de calças curtas, o vice-presidente da entidade, o general da reserva Clovis Bandeira, fez, de fato, jus ao seu sobrenome, ou seja, deu uma bandeira danada ao declarar que a Comissão Nacional da Verdade é revanchismo do governo. Para ele, segundo a Agência Brasil, a única coisa a ser defendida pela comissão é a apuração dos crimes cometidos pela guerrilha de esquerda [ele não especificou qual] contra os militares. Não o contrário!
Encerrado, portanto, o debate e já fora da sede do clube, participantes do evento foram hostilizados por militantes de esquerda, que, pedindo punição para os responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura militar, não hesitaram em chamá-los de torturadores e assassinos. Não deu outra! Presentes no local, policiais militares utilizaram bombas de efeito moral e jatos de gás de pimenta para dispensar os manifestantes, que, aliás, não eram poucos...
No dia seguinte ao confronto diante da sede do Clube Militar do Rio de Janeiro, na quinta-feira, 29, entre participantes do debate que aludiu ao golpe militar de 1964 e militantes de esquerda, o ministro da Defesa Celso Amorim evitou entrar em polêmicas, mas, de acordo com a Agência O Globo, chegou a dizer: — Somos contra qualquer violência. Somos a favor de que haja sempre liberdade de expressão, desde que pacífica e respeitosa.
Ocorre que, diante da atual conjuntura, não dá para fugir dos fatos. Nem de certas cobranças. Na terça-feira, 27, por exemplo, a Organização dos Estados Americanos - OEA notificou o governo brasileiro das suas obrigações para apurar a morte do jornalista Vladimir Herzog durante o regime militar, tendo o país cerca de dois meses para apresentar a defesa. A notificação, por sua vez, foi enviada ao governo brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que abriu investigação para apurar se houve omissão do Brasil ao não punir os responsáveis pela tortura e pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975. Indagado sobre a notificação, o ministro da Defesa Celso Amorim respondeu: — Não sei. Não recebi ainda. Isso é pelo Itamaraty.
Segundo, ainda, a Agência O Globo, “se considerar que essas explicações são insuficientes, a Comissão [Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, órgão da OEA, sediada em Washington, nos Estados Unidos] poderá remeter o processo para a Corte Interamericana de Direitos Humanos”. Neste caso, o Brasil correrá o risco de ser condenado. Infelizmente, nenhuma novidade, já que, em dezembro de 2010, o Estado brasileiro foi condenado pela mesma Corte por não ter investigado as violações contra os direitos humanos ocorridas na repressão à Guerrilha do Araguaia (1972 - 1975), não podendo, consequentemente, punir os culpados. Novamente, nenhuma novidade, já que, de acordo com informações noticiadas pelo Estadão, inclusive o Supremo Tribunal Federal - STF recusa-se a rever a Lei da Anistia, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, visto que a instituição entende ser a referida lei um meio de isentar das devidas responsabilidades os torturadores e aqueles que cometeram crimes graves, tais como desaparecimentos e mortes, durante a ditadura militar.
Desacato à autoridade
Não, Dilma Rousseff não está passando por nenhuma crise de identidade. Daí, portanto, não necessitar render-se ao conforto de nenhum divã. Na verdade, a charge acima apenas registra, com humor, o desrespeito nutrido por muitos militares contra ela, bem como contra a sua autoridade, na condição de presidente do Brasil, sendo, portanto, a sua máxima representante. E, isso, sistematicamente! Será, então, que já não está na hora de dá um basta nisso? Enfim! Não tem ainda um mês quando, na imprensa, mais precisamente no dia 5 do corrente, foi publicada uma nota de repúdio – intitulada Alerta à nação: eles que venham. Por aqui não passarão. – assinada por militares da reserva, à retirada, por ordem do ministro da Defesa Celso Amorim, de um manifesto assinado e postado no site Clube Militar – A Casa da República no dia 16 de fevereiro deste ano. A ordem, portanto, para a retirada do referido manifesto do site mencionado deu-se em função das críticas nele contidas à Comissão Nacional da Verdade, além das exigências feitas à la presidente Dilma Rousseff para que ela advertisse a ministra-chefe da Secretaria dos Direitos Humanos, a pedagoga Maria do Rosário, e a ministra-chefe da Secretaria de políticas para as Mulheres, a socióloga Eleonora Menicucci, por ambas criticarem o período no qual o Brasil viveu sob a égide da famigerada ditadura militar. Oxente, bichinho! E não é para criticar? Afinal, como se já não bastasse a caduquez impressionante do próprio Clube Militar, fundado no dia 26 de junho de 1887, o manifesto aparentou ser fruto de um delírio surrealista coletivo. Bom! O fato é que na nota divulgada, os militares da reserva não somente reafirmaram, “em uníssono”, a validade do conteúdo do manifesto, bem como disseram que não reconhecem “qualquer tipo de autoridade ou legitimidade” vindas do ministro Celso Amorim. Eita! Assim, desperta a minha curiosidade para ler na íntegra o tal do manifesto, embora soubesse que o mesmo não mais estava disponível no site onde, inicialmente, fora postado, empreendi uma pesquisa na internet e, não demorou muito, consegui uma reprodução do documento num blog que, antes da sua retirada do site dos militares, havia tido tempo hábil para salvar o original do manifesto nos seus arquivos. Porém, não foi sem surpresa que li um texto – muito mal escrito, por sinal –, cujo teor é irrelevante, sem o menor dos sentidos, e a sua divulgação nada mais foi do que um ato de insubordinação.
Cabe, portanto, à la presidenta Dilma Rousseff levar adiante , dando continuidade, à punição dos irresponsáveis que, não prevendo as consequências dos seus atos, agiram com o intuito de tentar desacreditar a Comissão Nacional da Verdade, que, aliás, não faz que investigar, digamos, os podres da ditadura militar. Além disso, os militares da reserva que subscreveram o manifesto – estéril por excelência – nem se iludam que, com o seu gesto, irão conseguir desmoralizar o atual governo, muito menos desestabilizar a democracia brasileira – a meu ver, uma desnecessária provocação...
Nathalie Bernardo da Câmara
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